Estamos num ônibus para Hoi an, capital dos mochileiros no Vietnam. Rendemo-nos ao óbvio ululante e compramos finalmente uma passagem de ônibus-dormitório: mesmo que seja uma viagem de apenas 4 horas. É realmente muito mais confortável do que viajar nos trens vietnamitas, pelo menos no trem que pegamos de Ninh Binh até Hué (11h25 no meio dos pés descalços e banheiros sujos não foi muito agradável).
Esta semana completamos 2 meses de pé na estrada. Quase não acredito: olhando para trás, não parece muito que estávamos no Brasil planejando (um pouco) esta viagem, torcendo para que desse certo e não fôssemos falhar em rede nacional e mídias sociais.
Aqui estamos nós: três países na manga (se contar o aeroporto de Doha, 4), propósito firme de ir fazendo a viagem conforme ela vai acontecendo. Momento propício para um balanço, já que chove lá fora e o ônibus segue tranquilo seu caminho.
Apenas para comparar notas futuras, aqui vão minhas percepções no momento.
- Viajar com criança é MAIS FÁCIL do que sozinho
Com certeza! Criança passa na frente nas filas de aeroportos (e você vai junto), ganha presentes e comida de graça (e às vezes sobra para você), ganha uma atenção incrível de todos ao redor. Tudo isso torna a viagem dos pais mais fácil do que o imaginado: escapamos de várias dificuldades apenas porque as pessoas reconhecem que, com criança, tem que ser mais fácil.
- E digo mais: é mais difícil viajar com adultos do que com crianças: Isso eu sei de todas as viagens que já fiz com amigos, namorados e marido. Adulto fica emburrado, empaca, não quer sair do lugar. A ansiedade atrapalha o contemplar a viagem – e só acomete a adultos. Crianças são curiosas, acham graça das pequenas coisas, são leves. Mil vezes viajar com crianças do que com adultos.
- Você carrega consigo os seus problemas: Não existe botão mágico no avião que lhe faça se desligar dos seus problemas e entrar numa nova pele mais leve. Não, os seus lindos problemas (mentais, físicos, monetários, o que for) lhe seguem. Basicamente, porque eles são parte de você. Um dia, você está tranquilona, curtindo o balanço das ondas numa praia semi-deserta e lá vem eles: pensamentos problemáticos de cabeça inquieta. A diferença é que, relaxada, é OUTRA história lidar com eles. Porém, um dia ou outro, você terá que encará-los, nem que seja do outro lado do mundo (literalmente, no nosso caso).
- O Brasil não conhece o Brasil – mais uma em que a China ganha de lavada. Porque os chineses simplesmente amam o seu país e viajam nele para todos os cantos, em busca das lendas e histórias dali. Ufanismo proveniente de um governo de partido único *levemente* ditatorial? Pode ser. Mas brasileiro viaja apenas para praia, não conhece as suas minorias, não sabe nada dos índios que habitam o país. Dá até vergonha admitir que nunca fomos à Amazônia quando conversamos sobre o Brasil por aqui.
- Colocar a China no início da viagem foi excelente!
Porque ela é mais desafiadora, ninguém quase fala inglês, é muito grande, então tem que ter gás. Somente nos demos conta do trabalho que passamos por lá quando chegamos ao Vietnam e fomos abraçados por uma cultura que quer turistas e se prepara fortemente para isso. Caso tivéssemos feito ao contrário, teríamos achado a China MUITO mais complexa do que realmente foi.
- A Alemanha é um país quase perfeito (se não fossem os alemães de sandálias e meias 😛 ).
A comida no supermercado é ridiculamente barata (até para padrões brasileiros: comprávamos uma caixa de 12 mini-Magnuns por 2 euros!). O transporte é abrangente, limpo, seguro, pontual. Há pracinhas superdivertidas e diferentes em cada ponto das cidades, com brinquedos instigantes e desafiadores para os pequenos. Tirando os skinheads – extremistas que encontram eco na direita conservadora brasileira – o povo é interessado e acolhedor com o diferente (e há restaurantes de muitas etnias até em cidades pequenas). O sistema de saúde é estatal, barato e funciona (muito bem). E a cerveja e os embutidos? Não preciso falar mais nada!
- O Brasil é um lugar muito inseguro mesmo.
Ou estamos moldados por uma indústria que ganha dinheiro com a nossa sensação de insegurança. Apesar de que não saímos de madrugada para andar pelas ruas (por motivos óbvios), já andamos bem tarde da noite, bem cedo pela manhã, em ruas escuras, pequenas, com gente parada em becos. Andamos sozinhos ou em grupos. Em nenhum momento houve sensação de insegurança (o que bem pode ser também porque não vemos a TV local), mas também em NENHUM momento alguém nos recomendou ter cuidado. Inclusive, aqui no hotel de Hué, o gerente nos disse: se vocês se sentirem lesados por alguém – taxista, guia, o que for – apenas mencionem a palavra “police” entre vocês. Isso será suficiente para colocar o táxi na direção certa. Tem até uma história interessante neste hotel sobre a recuperação de um celular de um hóspede, usando esta tática.
- Há todo tipo de viajante.
Encontramos um cara que estava viajando de bicicleta, da Inglaterra até a Ásia e de volta. Duas meninas brasileiras que fizeram um tour quase que apenas pelas capitais dos Tigres Asiáticos. Um casal brasileiro que mora em Cambridge que já está há 8 meses na estrada, dando uma volta ao mundo. Uma mexicana que morava no sul da China para fazer tratamento médico ocular. Uma argentina da Patagônia que rodava a Ásia sozinha – e já tinha ido até à Mongólia! Um irlandês viajando de moto com um alemão pelo Vietnam (e odiando tudo o que via). Todos viajando mais ou menos independentemente, fazendo seu próprio caminho. Várias destas viagens eu faria também, outras não. A questão é se conhecer o suficiente para entender que tipo de viajante se é: dormitório? Banheiro privativo? Carro com motorista? Motinho scooter para três pessoas? Ninguém faz uma viagem mais ou menos real: estando num país, tudo o que se vê e se experimenta faz parte dele.
- O Brasil é muito auto-centrado.
Enquanto estamos preocupados com (mais um) escândalo de corrupção (e 98% do telejornal se ocupa em destrinchar cada milímetro do ele-falou-ela-disse do caso), o mundo olha ao redor. A China comemorou os 70 anos da expulsão dos japoneses e você sabia disso aí no Brasil? Você entra em qualquer museu por essas bandas e se dá conta que conhece apenas história do Brasil e da Europa – e eu sempre estudei muito no colégio, sim, senhor. Guerra Sino-japonesa? Invasão da Indochina pelos franceses? Tá bom, você já ouviu falar – mas confessa pra tia que só superficialmente. Há um mundo aqui fora que não se importa com o BBB. Sério.
- A tecnologia ajuda, até a hora em que atrapalha. Ficamos mês na China sem Facebook e sem Google – e isso teve dois reflexos distintos. O primeiro foi se dar conta de como somos dependentes de ambos: e como o Google é realmente um serviço fantástico (tente usar o Bing para ver o que é bom para tosse). As restrições do governo chinês às ferramentas de busca (ou a incapacidade tecnológica da Microsoft, ou ambos) fazem do Bing uma ferramenta capenga. Sim, existe Bing Maps ou coisa que o valha – mas faça uma pesquisa e descubra que os resultados vêm todos em mandarim. Ou que ele não reconhece buscas no Mapa em inglês (no celular). Quando chegamos ao Vietnam ficou tudo MUITO mais fácil, principalmente porque o Google é o oráculo dos viajantes perdidos: clima, voos, trajetos de carro e transporte público, tradução: você não percebe o quanto usa até ficar sem. E não encontramos outra ferramenta à altura. O segundo reflexo foi focar ainda mais em nós, dormir melhor e escrever muito mais, apenas por não ter a distração do Facebook. Impressionante como esse sugador de energia consome tudo ao redor. Ficamos bem mais produtivos quando não o acessávamos.
- De todos, quem mais se beneficia da viagem é, sem sombra de dúvida, a Sara.
Engraçado, porque era com ela que todos se preocupavam: e a escola? O que vai comer? Terá saudades! Tudo resolvido. Incrível o que a exposição ao desconhecido fez a ela: está mais solta, desenvolta, brincando com as pessoas ao redor. Aprendeu várias palavras de mandarim porque ficamos 10 dias em Xi’an e fez amizade com TODAS as pessoas do hostel – inclusive algumas com que eu nem falei. Estamos ensinando ela a fazer contas e em todas as atrações falamos sobre o que aconteceu naquele lugar. O mais incrível? Ela lembra das atrações bem do início da viagem – o Palácio de Verão e a Cidade Proibida – muito claramente, inclusive explicando o que havia lá para os outros.
- Viajar abre a sua mente criativa como quase nada. É espantoso o quanto estou escrevendo, fotografando, tendo novas ideias, sobre velhos e novos projetos, nossa vida, o mundo em geral. E isso que nem estamos fazendo uma viagem tão exótica assim – tirando a China, o restante estava sempre povoado por outros viajantes estrangeiros, fazendo uma trilha razoavelmente fácil. Fico imaginando quem realmente se aventura e vai escalar o K12 ou andar com os povos nômades no interior da China. Se um pouco de choque cultural lhe transporta para um lugar criativo especial, imagina o que um choque realmente relevante pode fazer pelo vivente.
- Mas você tem que estar aberto para isso.
Nem todo os viajantes que encontramos relataram esse estado de êxtase. Muito apenas ligam um ponto a outro, diligentemente, como numa lista de tarefas, sem muito entender o que está acontecendo. Encontramos pessoas que odiaram fortemente lugares que amamos. Muita gente também só viu o copo-vazio por onde esteve – como o irlandês que encontramos no barco em Halong, que conseguiu achar uma das nossas experiências mais memoráveis apenas “boring”. Como o David Cain escreve no Raptitude, para embarcar numa viagem temos que entrar num estado de relaxamento: assumir nossa posição de passageiros e deixar o barco, sem se preocupar com o ponto de chegada, quando “enfim estaremos relaxados e felizes”. Temos que aprender a estar relaxados em qualquer lugar – reduzir a ansiedade para enfim curtirmos o que vemos e os lugares por que passamos.
Por fim, sabe do que temos saudades?
De uma picanha malpassada, assada na churrasqueira na lenha, com aquela casquinha marrom-dourada brilhante, levemente queimada, gordura com crosta sequinha, para comer com um feijão mexido e mandioca cozida.
A comida aqui é fantástica, mas cadê as vacas deste continente???!!!!
E você, caro leitor e cara leitora: o que já aprendeu viajando? Conta pra gente aí nos comentários!
Ah, não esquece de marcar aquela pessoa que você quer junto quando chutar o pau da barraca e ir explorar o mundo: quem sabe vocês começam a tirar esse plano do papel?
A gente já tinha feito um post sobre aprendizados em viagem, versão 2011, está aqui.
Conheço a história da Ásia pois sempre li jornais. Na escola, a educação de base greco -romana -francesa e americana esqueceu a existência da Ásia.
Os livros escolares no Brasil são obsoletos imediatamente a sua entrega aos alunos.
Ouvir tele jornais, ler tudo o que cai na sua mão e duvidar sempre da mídia oficial, este é o caminho da boa informação.
Beleza e boa viagem.
O problema é que não há mídia imparcial no Brasil, ao meu ver. E também que sabemos as minúcias da Revolução Francesa, mas quase nada da Comunista na China – que, se for pensar, é tão ou mais relevante para a história mundial. Temos que mudar isso urgentemente, sob pena do Brasil continuar alheio ao mundo e atrasado.
Legal o post Cris. Concordo com muitos dos teus pontos, em especial que o Brasil é um dos países mais perigosos que já visitei (já são 45) e não conhecemos (nem nos interessamos) pela nossa história nem a dos nossos vizinhos na América do Sul. E tenho mais uma sugestão: “14 Vale a pena ter um blog”. Sim manter um blog durante a viagem da trabalho, mas ajuda muito a absorver mais das experiências do dia-a-dia. Beijos
Oi, Guilherme! É verdade… antes de ter um blog eu escrevia num diário, mas é muito mais fácil escrever por aqui. um dos próximos posts será “as pessoas incríveis que conhecemos na viagem”. Adivinha que vai estar presente? 😉 nos vemos em breve, façam uma excelente viagem!
vou pralá, quero mais e mais.e mais informações sobre Vietnam,Thailandia – se tiverem.
Nosso objetivo é natureza,mergulho com cilindro,fontes de cultura desse povo guerreiro e amigável.
Que legal, Júlio! Quando você vai?