Dois dias para o fim do ano e estamos aqui, brasileiramente, imaginando que o ano que vem será muito melhor. Aquele desejo insuperável de que a alma amanheça nesta sexta como se nascida outra vez – uma sensação de que sim, dá para ser diferente.
Qualquer um que tenha dois neurônios com uma sinapse entre eles sabe que isso é uma ilusão. Nada adianta: a calcinha amarela não trará dinheiro, a roupa branca não trará paz e, certamente, a lentilha não te fará mais rico. Quando muito, no dia seguinte acordaremos de ressaca, estômago embrulhado, dor de cabeça, boca seca: sinais de que a farra foi boa, mas que já entramos nos primeiros segundos do ano descumprindo todas as promessas que nos fizemos.
Também pudera: de praxe, chegamos cansados ao final do ano. Horas extras, despedidas mil com os mil grupos a que pertencemos (brasileiros, os gregários), mais o mutirão das compras de Natal. Alguns conseguem escapar da hipocrisia que é reclamar da crise na fila do supermercado com carrinho cheio. Mas nem todos. Seguimos, estilão manada, reproduzindo os comportamentos alheios.
Se ela compra, eu compro. Se ele reclama, eu reclamo. Se ela dança, eu danço.
Enquanto a crise tomava conta do Brasil de alto a baixo, 2015 foi nosso melhor ano.
Foi um ano que, sem promessa, cumprimos. Um ano diferente, em que nos lançamos, nos propusemos, fomos contra a lógica e os conselhos, e descobrimos dentro de nós muito mais capacidades do que os caminhos limitantes que estávamos seguindo até então.
2015 foi o ano em que ignoramos a crise e fomos viver alguns meses em países que também a ignoraram. Convivemos com tudo o que há: o luxo, a pobreza, o calor tórrido, o frio das montanhas, os hábitos estranhos, as comidas que causam repulsa, o que há de mais delicioso sobre a Terra, os espaços amplos, a ditadura, a história viva, a história reescrita.
Sobretudo, convivemos com gente muito, muito feliz. E isso me fez pensar demais.
Como assim, essa gente é tão feliz e sorridente com tanto lixo na rua? Como assim eles são felizes sem ar condicionado? Como assim, tanto arroz com casca secando no chão das casas? Como assim, protetor solar é tão caro e vocês usam manga comprida na praia, 35°C, sem escorrer uma gota de suor? Como assim, você trabalha mesmo da 8h da manhã às 10h da noite?
Foi um choque voltar para o Brasil e encontrar carro, TV a cabo, ar condicionado nos quartos, gente que vai buscar na rodoviária. Depois de meses nos virando, tudo isso é luxo. E não luxo apenas para nós, que estávamos viajando, mas para quase todo mundo que morava nos lugares que visitamos.
Então, minha listinha de desejos para 2016 é simples, porém totalmente corrompida por esta experiência tão próxima – e tão marcante.
1.Eu desejo fortemente que desapeguemos ainda mais.
Porque, quando se fala de apego, menos é mais mesmo. Assim que passamos a não nos preocupar com as contas para pagar (porque – arrãm – pagamos todas e não contraímos novas dívidas), o mundo se tornou uma possibilidade.
Antes, vinham as contas na frente, depois o que queríamos, e somente então o que éramos. Agora, o que somos – depois o que queremos (e não tem contas). É muito libertador.
Se continuarmos assim, seremos ainda mais livres e estaremos criando uma menininha para desejar menos, e ser mais.
2. Eu desejo fortemente que sigamos nos virando
Em 2015, a gente usou as economias – mas eu também dei aula, estou montando um congresso, o Fernando trabalhou com vendas e com o meu pai. Saber se virar é uma das grandes áreas de conhecimento que deveriam ser ensinadas desde o ensino infantil.
Meu avô era famoso pela capacidade de “se virar”: fez de tudo na vida. Foi jornaleiro, vendeu cavalo, montou frigorífico, trabalhou de empregado, montou fazenda. De jornaleiro de rua quando criança, morreu fazendeiro. A propriedade não era grande, bem longe de um latifúndio, mas era dele.
É claro que ele se apertou, teve (muitos) altos e (outros tantos) baixos, mas nunca o vi em fila de emprego. Nunca vi meu avô mandando currículo. Certamente, nunca vi, nem escutei histórias de, meu avô pedindo favor.
Que a gente se inspire neste exemplo e siga neste caminho.
3. Eu desejo inspirar mais gente a soltar as rédeas e seguir seu rumo
Utópico.
Mas eu acredito que possamos ser mais livres. Sair das garras do “tem que ser assim”. Ou do “isso não é normal”.
Quer ter um filho, tenha. Quer ter 10, tenha. Quer adotar, adote.
Quer morar embaixo da ponte e viver de doações, que seja.
Quer acreditar em bruxas, vai lá. Quer deixar a carreira para ser mãe ou pai apenas, tô contigo.
Quer parar de comprar roupas e fazer tudo em casa, vai fundo! Quer ensinar o bebê a usar o vaso sanitário: boa sorte e vai com tudo.
Quer tatuar o nome do marido estilo coleira, o pescoço é seu. Quer tirar os filhos da escola particular e educar em casa – se joga!
Quer abrir uma loja de bordados depois do mestrado em física: a vida é sua, minha amiga!
A vida pode ser diferente. CADA vida pode ser diferente. Podemos pertencer aos mesmo grupos de antes (brasileiros, esses gregários), mesmo que mudemos.
Podemos encontrar novos grupos. Podemos ser felizes sozinhos, também.
A minha vida já é diferente, a vida da galera lá na Ásia, então, nem se fala.
A sua vida está aqui gritando no meu ouvido que quer ser diferente também. Você vai deixar ela acontecer?
O Renato Russo estava errado: o mundo não anda nada complicado. O mundo é simples, nós é que estamos complicando tudo.
Em 2016, desapegue dessa complicação toda. Sejamos mais livres, mais leves e mais nós mesmos.
E você? Tá querendo o quê para 2016? Escreve para mim aqui abaixo, eu adoro conhecer melhor meus leitores e minhas leitoras 🙂 🙂
Cristina, adorei conhecer um pouco de você hoje. Foi uma surpresa saber o quanto inteligente e inovadora você é. Não foi à toa que o Nando apaixonou – se por você!
Compartilho de suas ideias e gosto de renovações, libertar a mente e fazer diferente. 2015 para nossa família também foi muito bom. Em meio a tanta crise, nós conquistamos um lugar melhor em nossas mentes para viver com a certeza de que vale à pena mudar.
Estou recalculando a minha rota de vida e quero por perto pessoas vivas e corajosas. Pessoas capazes de acrescentar de fato, de somar virtudes e ideias neste mundo de tantos fracassados ilusionistas.
Desejo um 2016 com novas e lindas surpresas a todos nós!
Bjs
Oi, Elaine! Obrigada pelas suas palavras, que depoimento lindo para o último dia do ano 🙂 acho que sempre é tempo de repensarmos a vida e buscarmos um novo modo de sermos felizes; parece que quanto mais fazemos isso, mais nos acostumamos com a mudança e a permitimos. Quem se enraíza demais, vira árvore. Pode crescer alta e frondosa, mas não sai do lugar, e pode cair em tempestade. Prefiro ser bambu e aprender a me curvar nas intempéries. Um bom ano para nós!
Gente, eu não consigo parar de ler os posts. Perdi as contas já, inclusive teve um link que cliquei e quis comentar mas não tinha caixa pra comentários, compartilhei no Face mesmo. Ai meldels, ainda bem que hoje é 6a, tá tranquilo e favorável (olá, prazer, funk paulista, rs). Você escreve deliciosamente, como aquele brigadeiro brilhante na colher bem molinho, sabe? Parabéns!
Ai que fofo!
Obrigada, Gabriela, sente-se, aprochegue-se, fique à vontade! Adoro conhecer meus leitores, leio e respondo cada um!
“A sua vida está aqui gritando no meu ouvido que quer ser diferente também. Você vai deixar ela acontecer?” – adorei conhecer você, e parece que está sendo no momento exato em que essa frase também está falando alto comigo. Obrigada pela energia incrível que você passa em tudo que escreve, e na vida, claro. Ficaremos próximas.
Grande abraço,
Vera
olá, Vera, eu que fico feliz em conhecê-la! Deixa agora a vida acontecer, diga mais sim, você verá! 😉