“O que vocês querem fazer hoje?”, me pergunta calmamente o dono da pousada em que estávamos em Hoi An.
“Queremos praia!!!”
Era o terceiro dia da nossa estada, e a monção resolveu dar uma trégua, deixando atrás de si um Sol fortíssimo, próprio para explorar o outro lado da cidade, aquele que dá para o mar. Hoi An fica na foz do rio Thu Bồn – e onde tem foz, tem praia.
O fato de que Hoi An combina praia e centro histórico explica muito bem o nível de atração aos turistas. É bem difícil encontrar uma cidade no mundo em que o conjunto da obra seja tão magnífico e, quando elas existem, são bem famosas. Vêm-me à cabeça, no Brasil, Rio de Janeiro, Paraty, Salvador.
Pela primeira vez, tomamos o café da manhã no jardim, à sombra da casa. Baguete crocante, casca perfeita, café gelado, barrigas cheias. Untamos os corpos de protetor solar, pegamos as bicicletas e rumamos na direção oposta ao Centro.
A maioria dos turistas prefere ficar em pousadas bem próximas ao Centro ou nos Resorts na beira da praia. Acontece que entre a praia e o centro há uma bela distância, o que torna a posição da pousada que escolhemos – bem no meio da cidade – ideal. Precisávamos sempre sair de bicicleta – que eram cedidas gratuitamente – mas os passeios não eram cansativos.
No caminho para a praia, arroz e água para todos os lados. À beira do rio, a casa, a pesca e o transporte são quase uma coisa só. Conforme nos afastávamos da cidade, deixávamos de ver o cenário ocidental do nosso bairro, para dar lugar a moradias que fazem mais sentido naquele mundo de água. Búfalos fazem pose para os fotógrafos amadores.
Mais à frente, um aglomerado de pessoas, quase todos homens, aguardava o início de uma competição de remo. Paramos em uma sombra e tentei me infiltrar para fotografar, mas o evento era deveras interessante para alguém arredar o pé.
É uma das poucas vezes em que sinto o povo vietnamita, sempre tão sereno, vibrando com algo. E é emocionante quando dá a largada e todos se movimentam.
Chegamos em An Bang por volta das 11h da manhã. Tomamos lugar em uma das cadeias de praia – só pode ficar sem pagar quem consome, como nos explica num inglês muito bom a moça que aborda os turistas. O guarda sol é de palha, grande, e protegerá a pele, que viu pouco Sol nos últimos meses, durante todo o dia.
É claro que somos a exceção.
Ao nosso lado, turistas de diversas nacionalidades – todos ocidentais – se torram ao Sol. Nessas horas passo a acreditar que o pós-Sol que vendem na Europa é muito bom, porque só consigo imaginar o que deverá ser a noite após tanto vermelhão na beira da praia. Parece que o povo está num concurso de quem vai ser o mais vermelho no dia seguinte.
Só pode.
A água é verde pálida, morna, tem poucas ondas e arrebentação próxima. Ao nosso lado, dois jovens ingleses nos perguntam sobre as praias brasileiras – uma delas, em Fernando de Noronha, tinha acabado de ser eleita a melhor praia do mundo pelo Lonely Planet. Eu nunca fui a Fernando de Noronha. Olho para frente e reconheço que esta é uma boa praia.
Pode não ser a melhor praia do mundo, pode não ter formações rochosas e árvores frondosas, pode não ter uma cachoeira, pode não ser completamente transparente. Mas é uma praia e aqui em casa somos animais movidos à brisa salina.
Apenas respiro e penso: você está aqui.
Do outro lado do mundo, no Vietnam. Você chegou aqui sem guia, sem planejamento, sem tradutor, sem agente. Você trouxe sua família com você, você está realizando um sonho sem destruir outro. Você se permitiu parar quando tudo ao seu redor só mandava continuar.
Respiro, penso no irlandês falastrão, e respondo: “essa praia é ótima”.
Com a aproximação do meio-dia, surgem pequenos pontos dentro do mar, no horizonte. Vemos que são barcos pequenos, navegados por um homem apenas, e são muitos. É a primeira vez que vemos os barcos cestos – os thung chai, que depois descobriríamos serem típicos desta região.
A visão dos barcos muda a dinâmica da praia: fotógrafos aparecem de todos os lados (inclusive eu) e alguns turistas se oferecem para ajudar a puxá-los para a areia. Toda aquela movimentação vira o grande atrativo da praia, e agora não há mais ausência de rochas, árvores, cachoeiras ou transparência – há apenas os pescadores.
Por algum momento, aquela praia não é mais um ponto turístico. Ela também é porto, ela também é mercado, vida local, trabalho e rotina. A chegada dos pescadores faz com que os turistas se cubram, procurem a sombra, saiam do embrulho de sonho das férias.
Nós procuramos a sombra do restaurante. A dona também fala um bom inglês, e o banheiro é limpo. Sempre um bom sinal.
E, quem diria? O restaurante, mesmo que imposto, era muito bom. Por lá comemos um dos melhores pratos da viagem: um camarão ao molho de tamarindo. Para quem tinha comido panquecas de banana no dia anterior, um grande upgrade.
QUARTO DIA EM HOI AN– VILA DOS PESCADORES E PRAIA DE CỬA ĐẠI
Certos de que o Sol nos daria uma trégua com a presença de mais nuvens, nos jogamos em uma aventura ainda mais longa. Se An Bang estava a míseros 5km do hotel, a vila de pescadores estava a 10km. Perto, pensamos.
Rá.
Perto quando a sua bicicleta tem marchas. Hoi An é toda plana, mas tem aquelas suaves inclinações que ninguém percebe, mas que matam os sedentários (podemos argumentar que pagávamos a cerveja com nossas pernas).
O caminho é paralelo à praia, mas quase não se vê. É por esta região de Cửa Đại que se instalaram os resorts mais famosos de Hoi An, onde se hospedam os ricos, os famosos e os que no dia anterior estavam avermelhando ao Sol. São construções gigantescas que ainda não tínhamos topado de frente desde que havíamos deixado Nanning na China.
É tudo tão ocidentalizado por aquelas bandas, que quase me arrependo de ter deixado a minha praia e rumado a outro lugar. Contudo, o Vietnam sempre te reserva uma surpresa no caminho.
Passando os resorts, aparece um bairro, e mais à frente saímos das ruas principais para entrarmos na vida de pescadores. Em questão de metros, saímos da Europa e encontramos novamente o Vietnam que havíamos vindo conhecer.
É a vila de pescadores.
Os turistas vêm para estas bandas para andar de thung chai pelo meio das palmeiras – mas dispensamos o passeio, com medo dos penachos na cabeça que poderiam aparecer nas fotos 😉
Ao invés de um guia, o instinto. Seguimos pelas ruas que nos pareciam interessantes, para encontrar cenários quase surreais, cheios de palmeiras secando e caminhos d’água que poderiam levar a outros lugares.
Em determinado ponto, pegamos à direita e nos deparamos com um bairro residencial. Um velório interdita uma rua e temos que contornar. Algumas das ruas estão semi-alagadas. Mais à frente, e uma casa sobre palafitas, peço permissão para fotografar a um senhor que lá dentro se esconde do Sol (que resolveu aparecer, e bem forte).
É por estas bandas do Vietnam, tão cheia de vida, com um povo tão sereno, sempre sorridente, que já passou por tantas guerras, que começo a me perguntar: qual é o problema do Brasil? Por que somos tão cínicos? Por que sempre tão ansiosos? Por que tão descontentes?
Um menino, de no máximo 17 anos, nos persegue com sua moto desde que entramos. Quer, a todo custo, que façamos um passeio de thung chai – mas àquelas alturas, o que queremos é descansar em algum lugar e comer.
Pergunto-lhe onde aprendeu inglês e se vai à escola – ele me aponta sua casa, longo em frente, grande, de alvenaria, e diz que estuda em casa com uma professora particular. Fala que por ali o turismo estava trazendo dinheiro, e que só havia espaço para quem falava inglês. Quem nem todos os seus amigos pensavam assim, mas que ele queria melhorar de vida.
Combinamos – e furamos, tenho que admitir – procurá-lo no dia seguinte. Vamos em busca de uma praia onde tirar o suor do corpo.
Paramos para admirar a praia próxima à foz do rio, cheia de coqueiros e protegida das ondas mais fortes por sacos de areia.
Mais à frente, reencontramos os pescadores. É a praia de Cửa Đại, quase uma continuação de An Bang.
Boa para comer, descansar, se jogar no mar, brincar com a filha e tomar uma cerveja. Boa para pensar sobre o dia, sobre como as pessoas vivem ali, sobre expectativas, realidade, conforto e felicidade.
À noite, anda temos fôlego para ir ao centro. Se os sinais não estivessem todos em vietnamita, eu teria certeza: estamos em Paraty.
Mas não. Estamos no Vietnam – e encontramos a cidade mais perfeita da viagem inteira.
O Vietnam foi um dos países mais surpreendentes da viagem! Quer ver os nossos relatos já publicados?
Chegando a Hanói: viemos por terra, de ônibus, desde Nanning na China. Aqui eu conto como é a travessia e mostro um pouco da bela paisagem do trajeto.
Hanói: Museu de Belas Artes e Templo da Literatura / Passeio com o Hanoi Kids para entender a cultura e o povo vietnamita (com direito ao museu Etnográfico e café com ovo!)
Halong Bay: fizemos um cruzeiro de duas noites, com uma noite em um resort numa pequena ilha na baía de Cat Ba.
Tam Coc: um dos lugares mais impressionantes de toda a viagem, com rios que cruzam cavernas embaixo de montanhas, e que se podem visitar de barco.
Hué: a Cidade Imperial devastada pela Guerra dos EUA, onde visitamos as tumbas reais mais megalomaníacas desde Xi’an, e fizemos bons amigos latinoamericanos.
O Vietnam foi um dos países que mais nos causou aprendizados e mudanças pessoais. Dá uma olhada no que já foi publicado na categoria Viajando e Aprendendo:
Está pensando em ir ao Vietnam? Aqui tem 12 coisas que você precisa saber antes de pisar por lá!
Felicidade está nos olhos de quem vê – uma das revelações mais profundas da viagem e que aprendemos durante a nossa passagem pela tal praia paradisíaca de Halong Bay.
Empatia é algo que você pode desenvolver numa viagem a um lugar onde não seja maioria (e o Vietnam é um bom começo!).
Foi em terras vietnamitas que fizemos um balanço dos nossos primeiros 2 meses na estrada.
Lindo texto e belíssimas fotos! Adorei! Parabéns, Cristina!
Também fui ao Vietnã e voltei encantada com o país, com o povo! Preciso voltar e dedicar um mês inteiro ao país.
Vc descreveu muito bem! Eu amei o Vietnam justamente por essa mistura de praia, cultura e natureza