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GOLPES NOS TURISTAS NO VIETNAM: O QUE ISSO TEM A VER COM EMPATIA?

Uma das principais reclamações sobre viajar pelo Vietnam tem a ver com os scams – golpes que são aplicadas a torto e a direito com os turistas. Tem golpe de poker, de táxi, de bebidas, de rick shaw, de conserto de sapatos, de cruzeiro luxuoso. Tem até uma página específica sobre os tipos mais comuns de golpes que se encontram no Vietnam

Os turistas, de modo geral, se sentem invadidos com esse tipo de esquema. Alguns dizem que nunca mais irão voltar. Afinal, se você tomar um ônibus, gostaria de saber que pagou o dobro da pessoa que está sentada ao seu lado? Afinal, você gostaria de saber que pagou o dobrou – ou o triplo – do que um local pagou pelo mesmo suco de frutas?

Se você quiser ter uma ideia do que estou falando, veja o vídeo abaixo.

Viajar pelo Vietnam é desapegar-se, todo o tempo, da sensação de uma transação comercial justa.

Fato: você não conhece a língua, você não conhece os costumes, você é claramente não-vietnamita (a não ser que pertença à minoria vietnamita brasileira – parece que temos 200 pessoas no Brasil).

Viajando pelo Vietnam, você se torna MINORIA.

E uma minoria é alvo fácil de todo tipo de esquema pela maioria, não é?

Talvez você, cara-pálida, classe média, pós-graduação, carro novo a cada 3 anos, nunca tenha se sentido assim no Brasil. Talvez você até vá na internet e diga que os negros, gays, lésbicas e mulheres tem muito mimimi.

Quer aprender a ser empático? Quer sair da sua bolha de vida certa e entender o que é ser continuamente apontado na rua, olhado de lado, ou tornado alvo dos mais variados ataques por uma maioria?

Eu convido você a ir passear lá no Vietnam para sentir na pele o que é ser discriminado – no sentido de “separado” de quem é “normal”. Um viajante ocidental de etnia não vietnamita é facilmente discriminado e, na sequência imediata, taxado de rico – e um rico que pode deixar mais dinheiro para o povo por aquelas bandas.

E vou te dizer uma coisa. Mesmo que você não se encaixe no padrão de “riqueza” que temos no Brasil, comparado com o vietnamita você é rico sim. É só pensar que a paridade de poder de compra por aqui anda por 16 mil dólares/ano (dados de 2014), enquanto que o do Vietnam está em 5,5 mil.

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Banho e necessidades fisiológicas às margens do Rio Mekong, em Can Tho – a cidade que é a “capital” do Delta do Mekong

Nós mesmos provavelmente sofremos um ou outro golpe na viagem – afinal, chega um ponto em que você cansa de ficar sempre tão atento e relaxa. Ficar brigando com cada vendedor de fruta que lhe disse um preço e cobrou outro parece um bom esporte a princípio, porém depois de 20 dias você simplesmente não se importa mais.

Se você se importar todo esse tempo, a sua viagem está fadada a ser um terror. Sim, há uma tendência a você ser usurpado.

Não é em todos os lugares, existem muitos restaurantes e agências de turismo muito sérios e todo o tipo de serviço com preço por escrito e inegociável. Você pode facilmente agendar todos os seus hotéis pela internet e não ter qualquer problema com diárias – fizemos as nossas pelo Booking e nunca tivemos problemas.

Aliás, devo deixar aqui registrado que, se tivemos problemas, eles foram infimamente menores do que o número de transações bem-feitas e justas que fizemos.

Mas eu tenho um comentário a fazer.

Lendo a maioria dos relatos (quase todo em inglês) sobre os golpes, vejo que muitas vezes o que a pessoa reclama é da falta de um preço fixo. Alguém o aborda na estação de trem e oferece seu serviço de transporte de malas por 5 dólares para um trecho de 10m. Ou então duas pessoas compram passagens no mesmo ônibus e pagam preços diferentes (bem comum na aviação, não?).

A questão aqui é dupla:

Barganhar é parte da cultura. O Vietnam ainda é um país bastante informal no que tange ao comércio – o número de ambulantes supera com folga o de lojas formalizadas. Quem já comprou em feira livre no Brasil, sabe bem o que isso significa: tem que barganhar. O vendedor já espera a barganha e, por isso, oferece um preço cheio muito mais alto do que o que ele está disposto a vender. Comece barganhando por 50% do preço (ou menos) e você verá.

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Mercado Municipal em Ben Tre, no Sul do Vietnam

Alguns vietnamitas se sentem explorados. E com razão! Já pensou se fosse no Brasil que tivéssemos trocado de país dominante tantas vezes? Se o que você pensa dos portugueses hoje em dia ainda está entrelaçado à figura da Metrópole sugadora de recursos, imagina se a nossa independência tivesse sido há meros 60 anos – como foi o caso da expulsão dos franceses.

Isso dá o direito a estes vietnamitas explorarem o viajante ocidental?

Claro que não!

Mas eu fico perplexa quando o turista ocidental se incomoda quando pagou 100.000 dongs a mais por uma passagem de ônibus – principalmente quando isso significa menos do que R$20 reais. Quando estamos falando de euros, ou dólar, a diferença fica ainda mais ridícula: muitas vezes estamos falando de “golpes” que fazem as pessoas falarem mal do Vietnam em seus blogs, de meros 2 ou 3 euros.

No vídeo acima: a pessoa se incomoda de ter pago 5 dólares por umas bananas, que poderiam comprar 100 bananas no mercado, mas esquece que alguém foi ao mercado, selecionou as bananas, colocou numa cesta, carregou no ombro e está ali, na sua frente, lhe oferecendo bananas num parque.

Claro, o problema não é o preço em sim, mas o troco errado. A vendedora se acha num lugar em que pode lhe tirar dinheiro da mão e ainda lhe sorrir enquanto faz isso – e a sua amiga não apenas não lhe repreende, como ainda acha graça.

Você, que sempre foi maioria, se encontra agora num lugar em que a pessoa lhe sorri e lhe toma o dobro de dinheiro do que deveria. Apenas porque ela pode.

Apenas porque agora, ELA é maioria.

Ela e a polícia daquele lugar são da “mesma classe”. Ela sabe, naquele momento, que se a polícia aparecer, as chances de ela contar uma história qualquer e se safar são imensas.

Ruim, não?

É ruim mesmo.

Não é exemplo de conduta em lugar algum no mundo, e o Vietnam tem consciência que, se esta imagem não mudar, o turismo não cresce.

Agora, gostaria de propor uma reflexão para você.

Viajando para o Vietnam, ou para qualquer país asiático, talvez seja a primeira – ou única – vez em que você terá a oportunidade de vislumbrar o que seria calçar os sapatos de uma minoria, nem que seja por uma coisa ínfima, como o troco das bananas.

Vislumbrar apenas de relance, pois é muito fácil voltar ao seu oásis de maioria no hotel.

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O guia do cruzeiro em Halong Bay, que, COM CERTEZA, embolsou uns dongs a mais do que de fato devíamos pela passagem de Halong a Tam Coc…

Para mim, com certeza foi.

Você pode pegar este momento e fazer uma escolha (como quase tudo na vida).

Você pode usar a internet para chorar sobre sua “triste experiência no Vietnam” e como você “nunca mais voltará para aquele país até que se mudem as leis”.

Ou

Você pode refletir sobre como a nossa própria sociedade – aqui, o Brasil mesmo – trata a quem “não pertence” a ela.

Quando você é minoria, passa a não ter mais voz. A minoria é inexistente. A minoria não pode lutar. A voz da maioria é a que vale, não é? Isso confere à maioria um poder que deveria ser usado com responsabilidade (mas nem sempre é).

O pensador francês Alexis de Tocqueville chamou a isso de Tirania da Maioria – termo que já vinha sendo pensado desde os gregos, quando a palavra usada era oclocracia: a lei da multidão. Tendo sido enviado pelo governo francês para estudar as prisões americanas, Tocqueville refletiu sobre a democracia (este governo não do povo, mas da maioria do povo), que se contrapunha já há alguns anos, às monarquias e impérios europeus.

Diz Tocqueville, a respeito dos perigos de um sistema que privilegia apenas as necessidades da maioria, em seu livro “A Democracia na América”:

Quando um homem ou um grupo sofre uma injustiça nos Estados Unidos, a quem você gostaria que eles apelassem? À opinião pública? É quem forma a maioria. Ao corpo legislativo? Ele representa a maioria e obedece-lhe cegamente. Ao poder executivo? Ele é nomeado pela maioria e serve-lhe como um instrumento passivo. À polícia? A polícia não é nada além do que a maioria armada. À corte de justiça? O júri é a maioria revestida do direito de pronunciar sentenças. Os próprios juízes, em certos estados, são eleitos pela maioria. Por mais injusta ou irrazoável a medida que atinja o indivíduo, ele deve então se submeter a ela.

Quando somos maioria, podemos ser também pouquíssimo empáticos.

Temos uma cegueira coletiva com as dificuldades que impomos às minorias – como aquelas duas vietnamitas vendedoras de bananas. Elas estão pouco se lixando para os turistas. Saem rindo e continuam rindo, mesmo quando novamente encontradas. Elas não se preocupam com o que os turistas pensam – apenas riem.

Elas são maioria. Pela primeira vez, muito ocidental está vestindo os sapatos da minoria quando chega à Ásia. Por uns 3 dias. E isso incomoda muito – veja só.

Já eu penso que termos sido minoria – por apenas 21 dias, e por menores que tenham sidos nossas dificuldades – foi definitivo para pelo menos arranhar superficialmente esse pensamento majoritário de que “está tudo bem para mim, então está tudo bem para todo mundo”.

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Um condutor de rick shaw tentando vender seu peixe para o Fernando em Hué. O preço, que a princípio era para nós três, no final da conversa virou “por pessoa” – e ele nos seguiu por milhares de quadras, tentando nos convencer, até que desistiu

Talvez seja coisa que não se possa traduzir escrevendo. Talvez seja dos aprendizados da vida que apenas quem vive é que pode ter. Eu não posso falar sobre a discriminação que sofrem os negros no Brasil, ou sobre como é ser negra numa cultura de pensamento majoritário branco, porque de fato não o sou.

Eu posso sim, contudo, falar sobre o que é ser mulher, grávida e mãe num mundo corporativo e sofrer a carga que essas denominações carregam em si. Eu posso falar sobre todas as suposições e limitações que cada uma dessas denominações traz consigo.

Mas eu não havia pensando muito a respeito, desde que entrei nesse sabático, até chegar ao Vietnam. Foi no Vietnam que percebi que perdemos a empatia quando somos maioria, muito sutilmente, porém muito facilmente.

É muito simples você se deixar levar pelo pensamento dominante e aceitar que sim, uma mãe não precisa estar em casa com sua filha. Sim, eu estou grávida, então não devo ganhar um aumento apesar de merecê-lo. Sim, eu sou mulher, então aceito uma posição de Coordenação ao invés da Gerência para qual eu havia me candidatado.

Perder a sensibilidade consigo mesma e com os outros é muito fácil. Recuperá-la é que são elas.

 

Belo momento para pensar se daria um emprego a uma mulher grávida.

Belo momento para pensar se alugaria um apartamento a um refugiado da Síria.

Belo momento para pensar se votaria em um presidente negro.

Belo momento para pensar se você contrataria uma babá que gosta de punk rock e se cobre em tatuagens.

Belo momento para pensar se você faria uma cirurgia com uma pessoa com nanismo.

Belo momento para pensar se você namoraria um umbandista.

Belo momento para pensar se você faria amizade com um artista de rua.

Belo momento para pensar se você iria a uma palestra de uma pessoa com disfemia.

 

Sim, é uma coisa muito ruim: ser enganado.

Mas também, uma pessoa madura e consciente tem que se perguntar. Será que eu mesmo não engano quando posso? Quando sou MAIORIA?

Talvez este tenha sido um dos grandes aprendizados da viagem: enxergar o que uma minoria enxerga. Sentir o que uma minoria sente. E fortalecer o músculo que menos usamos quando somos maioria.

O músculo da empatia.

 

Quer mais leituras a respeito? Aqui tem uma experiência similar de um rapaz branco que passou dois anos no Centro da China, e como ser minoria dentro de uma maioria foi esclarecedor – sendo tratado como esnobe pelos colegas, ou tendo que pagar mais para taxistas. Ou o mesmo caso no Japão, que impõe uma série de restrições de acesso e trabalho aos estrangeiros. Restrições que poderiam ser usadas para que os próprios estrangeiros fossem mais empáticos em seus países (mas, aparentemente, não).

 

Conta para mim nos comentários: em que minorias você se insere? A quais maiorias você pertence? Como isso muda a sua visão do mundo?

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2 comentários sobre “GOLPES NOS TURISTAS NO VIETNAM: O QUE ISSO TEM A VER COM EMPATIA?

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