O que faz alguém gostar de uma cidade?
É a casa em que mora, o hotel em que dorme, o trabalho em que se emprega, o cheiro, as pessoas? Ou é uma combinação de tudo isso, um amálgama de tudo, indescritível, apenas delineável quando explicado com as emoções?
Nós nos apaixonamos à primeira vista por Xi’an.
Ficamos talvez tempo demais em Beijing. Ou tempo demais num hostel cujo banheiro sempre tinha cheiro de ralo e cuja noção de limpeza era muito menos do que um tapa. Era uma leve roçar de mãos sobre a sujeira.
Não sei. Só sei que estávamos felizes de ir embora. De pegar um trem de 5 horas e começar a desbravar uma cidade nova.
Tínhamos já um bom sinal: apavorada com o hostel que “esqueceu” a nossa reserva, mandei no mesmo instante uma mensagem para o hostel de Xi’An. Nada de “esquecer” a nossa reserva e deixar para algum chinês mais abastado durante o Feriado Nacional, hein? Não se preocupe, respondeu rapidamente a moça da recepção, a sua reserva está segura.
Ufa!
Trem lotado de gente, muitos indianos e suas malas gigantes, todos querendo fugir do que deve ser Beijing no Feriado Nacional. Mesmo com a insistência dos inúmeros inspetores que vieram inspecionar, re-inspecionar, re-re-inspecionar o posicionamento de todas as malas em todos os compartimentos de mala existentes, foi uma viagem tranquila.
Sério.
Quão crucial para o bom andar do trem é a minha mala estar posicionada paralela ou ortogonalmente? Nestas horas, percebe-se quão arraigada é a cultura da ditadura.
Do trem, para o metrô, um pulo. Estações limpas, grandes. Melhores que as que vimos em Beijing. Saímos da estação – acostumados que estávamos com o nosso bairro podrinho em Beijing – para uma avenida movimentadíssima, lojas concorrendo pelo bolso do novo comprador de celular, shoppings para todos os lados.
No caminho, dá para perceber o cheiro.
Ou melhor. A ausência dele.
Os engenheiros de Xi’An sabem é sifão, graças a Buda!
No meio da rua, paramos um moço chinês porque não estamos achando o hotel. Ele não fala inglês, mas começa a procurar no seu “Google” Maps. Um massagista atravessa a rua para nos dizer onde é: 50m à frente.
Entramos no hotel, e uma chinesa de franjinha nos recebe com um inglês de excelente sotaque – todas aquelas consoantes bem marcadas – e sorriso. Fernando quer ver o quarto antes de pagar e quando volta, não quer pagar apenas um dia. Quer pagar toda a hospedagem.
Estamos no Facebook Youth Hostel – que, apesar do nome, não tem VPN para os clientes e, com isso, não tem acesso ao Facebook. Porque os donos decidiram colocar este nome, resta a dúvida.
Mas temos um quarto com vista para a rua, três camas, uma TV e uma chaleira para tomar café pela manhã – café é artigo de luxo por essas bandas, melhor você trazer o seu se for viciado. Temos um aquário de vidro para chamar de banheiro, mas pelo menos ele é limpo, está no quarto e não tem cheiro.
O hostel é todo enfeitado com motivos chineses – e não tão chineses – e com os grafittis dos hóspedes que passaram por aqui (inclusive um casal de viajantes ciclistas brasileiros, que passaram por essas bandas no ano passado). Duas mesinhas no corredor servirão de mesa de jantar e estação de trabalho nos próximos dias.
No terraço, onde uma mesa de ping-pong e outra de bilhar ocupam lugar de destaque, um esquilo sapeca nos espera (e, num dos dias, dá uma visitada por todo o hostel).
Saímos para uma volta, e a 4 quadras do hotel está a Torre do Sino. Central, esplendorosa, toda preparada para o Feriado Nacional.
Subimos e passamos algum tempo apenas observando o trânsito maluco que circula ao redor da Torre, meio que prestando a ela uma homenagem feita de buzinas, freadas bruscas, batidas, engarrafamentos.
Descemos e seguimos para onde toda aquela gente estava indo. É fácil achar uma atração na China: é só observar o fluxo da galera.
Em outras viagens que fiz, pesquisei a fundo, tudo, na ânsia de ter a viagem perfeita para os poucos dias que tinha pela frente. Quando chegava aos lugares, parecia que já os havia visto – era o anticlímax. O sentimento de que era para ter sido bom, mas não foi.
Esta viagem é o oposto. Pouca pesquisa, pouco plano. Vendo onde vamos conforme vamos. Decidindo o que ver mais ou menos conforme chegamos aos lugares.
Então, apesar de estar por toda a internet, eu não havia visto nada sobre o Quarteirão Muçulmano. Aliás, havia visto: que era um lugar bacana para comer comida de rua.
Cena na minha mente: feirinha de Camden em Londres, com o seu intrincado de barraquinhas, servindo todo o tipo de comida, tudo meio escuro, misterioso, gótico.
Com certeza, não estava preparada para isto.
Painéis gritando qualquer coisa em chinês, luzes estrobo, gente gritando em microfones atados a caixas de som estourando, cada barraquinha com sua house diferente no último volume, comida para todo lado, gente fazendo comida para todo lado, suco de romã espremido na hora, mulheres usando véus coloridos.
Apesar de que a comida por ali é mais cara do que qualquer outro lugar – o hambúrguer Shaanxi por aquelas bandas é no mínimo o dobro do que em qualquer outra restaurante perto do nosso hotel – voltamos 2 vezes.
A cada vez, encontramos um outro Quarteirão, mais frenético, mais lotado, mais cheio de cantinhos que não havíamos visto antes. Gente de todos os tipos, e um milhão de chineses no meio, gritando, comendo, bebendo, tirando fotos, apenas andando.
Voltamos uma vez durante o dia, e realmente estava bem mais tranquilo – mesmo assim, muito mais energético do que qualquer outro lugar que tínhamos visto até então.
No dia da chegada, contudo, andamos um pouco por ali, comemos alguma coisa, bebemos suco de romã e saímos, de volta ao hotel.
No caminho, nas escadarias que descem da Torre do Sino até o shopping, dois chineses se apresentam para uma turma que lota o lugar. Um pequeno amplificador estourando a voz e o violão do cantor e uma caixa de percussão são suficientes para alinhar os corações brasileiros que se sentaram por ali.
Xi’an foi a cidade escolhida para encararmos o Feriado do Dia da Pátria chinês. Ficaríamos por ali por 10 dias – demais para o que a cidade tem a oferecer. O céu é acinzentado na maior parte dos dias, e a multidão de chineses que viaja durante o feriado deu suas caras em alguns momentos (principalmente no metrô ou no Quarteirão Muçulmano).
Xi’an, contudo, surpreendeu. Fizemos bons amigos – principalmente Sara, que por fim pulava da cama pronta para ir dizer bom dia para suas amigas, comemos bem e barato, conhecemos algumas das obras mais enigmáticas feitas pelo homem e descansamos (mesmo nas camas duras!).
É inexplicável. Talvez apenas delineável com as emoções.
Quero saber de você, estimadíssimo leitor: quais cidades arrebataram seu coração já na chegada? O que lhe faz se apaixonar por uma cidade – e talvez não gostar tanto de outra? Escreve aí nos comentários!
Amando os seus posts! Ao ler, me teletransporto mentalmente, parece que estou ai com vocês! Que delícia de viagem
E nós estamos adorando a companhia também!
Que belos lugares vocês estão visitando. Apesar dos apertos sempre conseguem dar um jeito. Fico feliz que tudo esteja dando certo e que nossa amada Sara está feliz. Beijos carinhosos.
Olha, e estou atrasada com os posts: daqui para a frente vem lugares ainda mais incríveis!