Descobri ontem que nem mesmo na minha família, que teoricamente me ensinou a fazer arroz, fazemos arroz do mesmo jeito. Eu gosto de picar o alho, a cebola, refogar ambos, fritar o arroz, colocar água quente até 1 ou dois dedos acima da linha do arroz, esperar ferver novamente, baixar o fogo, cozinhar até crepitar, desligar o fogo e tampar. Deixar o arroz terminar o cozimento no próprio bafo. Minha mãe faz quase igual, mas prefere sem alho e cebola. E meu pai faz quase igual, mas sem alho e cebola – e cozinha até o final com o fogo, o que faz ele precisar de mais água e possibilita um arroz menos solto.
Os japoneses fazem arroz naquelas panelas elétricas, e o intuito é deixar grudento mesmo. Minha mãe odeia arroz japonês, pois diz que é empapado. Não importa dizer que tem que ser assim, para os propósitos a que serve – ela somente odeia. Com a internet e a TV por assinatura, e os trilhões de programas de TV que mostram comidas de outras culturas, já vi que tem um método que inclui escorrer o arroz. Sim, tipo massa.
Meio que do mesmo jeito, as pessoas criam filhos de formas diferentes no mundo inteiro. É possível que dentro da mesma família já exista diferenças imensas, como os que batem, os que negociam, os que deixam chorar, os que confortam, os que deixam livres, os que fazem obedecer, os que querem ser chamados de senhor e senhora, os que dormem juntos, os que nunca dormiram, os que amamentam, os que protegem, os que deixam soltos, os que brincam juntos.
Mas as diferenças são muito mais gritantes quando vistas de cima, como povo.
Na África, os bebês não choram e raramente são vistos. No Japão, Coréia e outros países asiáticos, dormem com os pais até a idade escolar. Nos Estados Unidos, mais de 50% dos meninos são circuncisados (auch!). Em todo o mundo, a hora de sair de casa para a vida adulta muda conforme o país.
É muito difícil para mim, então, escutar coisas como “não conte para ninguém que a Sara dorme contigo” ou “não deixe a Sara se acostumar com isso, ou aquilo” ou “criança tem que ter hora para comer”. Não consigo parar de pensar – enquanto arrumo algum escape para uma discussão que não pretendo ter a respeito de criação de filhos, independência, cada um faz o que quer, não se mete na minha vida, vai olhar teus filhos, entre outros – que cada um fala de um ponto de vista muito pessoal, e posicionado dentro da sua cultura.
E que o que é “normal” aqui no Brasil é completamente “anormal” do outro lado do mundo. Esta é meio que a razão para ter escolhido a Ásia como nosso “local” para o ano sabático. Quero ver se lá, algumas coisas que consideramos “normais” são realmente “normais” ou apenas “culturais”. Tá certo que poderia fazer uma faculdade de Ciência Sociais para isso, e seria bem mais fácil e barato, mas quero ver na prática. Meus instintos dizem que temos uma pista.
É possível que algumas formas de criação levem a filhos mais independentes, outras mais apegados, ou mais inteligentes, ou mais sinceros, ou mais medrosos, ou mais corajosos. Isso é parte da variabilidade humana, que é o que temos de mais bonito. Eu não preciso criar um filho do mesmo jeito que você, e aí que está a complexidade de ser humano.
Afinal, cada um faz arroz do seu jeito – e cada um cria filhos à sua maneira.
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