A CIDADE IDEAL – ou, O MELHOR LUGAR PARA VIVER

Minha cidade ideal tem uns 300 mil habitantes.

Gosto desta coisa de ser anônima, poder andar na rua com cabelo verde que ninguém dá bola. Gosto de poder comer sentada na praça sem que me amolem os que acham tudo estranho. Com uns 300 mil habitantes, num dia de chuva, tomo banho alegre caminhando para casa, sem despertar curiosidades ou virar relato do noticiário informal.

Já morei em cidade pequena para ver que gosto mais das grandes.

Com 300 mil habitantes, também, não fico presa em engarrafamentos sem fim das cidades maiores. Posso respirar um ar ainda respirável. Conheço a cidade toda, suas avenidas e seus becos, sei me virar caso venha uma enchente ou revolta pela frente. Sei onde ir.

Ela também está confortavelmente situada a uns 70km do mar.

Mais perto, não, que me acostumo fácil às coisas e deixo de me espantar. Como a piscina na casa da sogra – milagre descoberto com o namoro –  e onde nunca mais entrei depois que ficou normal.

Apenas próxima o suficiente para ir todo final de semana – ou, se quiser, escapar durante ela para um peixe assado na brasa à noite. Não me importa ter casa na praia, mas que encontre uma pousada barata e limpa, dessas que a gente entra e sai de chinelo, sem se importar com o check-in, check-out. Cujo dono me conheça e saiba que gosto de pão francês, cacetinho, com a casca bem crocante, e manteiga.

A praia, que tenha mar verde, ondas, bastante árvores dando sombra a quem, como eu, não quer levar muita tralha para a beira. Apenas a canga, um livro e o óculos.

Minha cidade ideal tem escolas boas, alternativas, que discutem o gênero, o PIB, incluem a arte no currículo e tem aulas ao ar livre. Elas não são caríssimas porque são diferentes, apenas são escolas. Os alunos são incentivados a serem eles mesmos, e a desbravarem sua própria trilha. Todos os dias a Sara vem para casa com os olhos cheios de descobertas.

A cidade ideal está próxima dos avós. Podemos passar para deixar a Sara numa noite do pijama na casa de uns, e no dia seguinte almoçar com os outros. Os avós podem vir à nossa casa para um carteado, ou para a sessão mensal de descarrego de histórias do passado.

A cidade ideal tem um lago, ou um rio, em cuja margem um parque bonito convida ao passeio, ao descanso, à reflexão. Nos finais de semana, as famílias, os solteiros, punks, evangélicos, roqueiros e sambistas, gays, negros, lésbicas, umbandistas, transexuais, militares e banqueiros, todos os cidadãos convivem, cada qual em seu espaço, cada espaço ao lado do outro, cada outro perto de si. O parque faz toda essa gente, meio diferente, ser meio igual. No parque, gente que nunca se viu, se vê, e crê que é normal ser meio diferente.

Minha cidade ideal tem um museu de arte, onde os artistas locais se divertem, que recebe exposições itinerantes do mundo afora. Não preciso sair dela para ver um Picasso, um Toulouse-Lautrec ou um Turner de quando em vez – todas as obras que reconheço por vezes pintam aqui. De vez em quando, parece que apenas para me chocar, pintam uns artistas de que nunca ouvi falar – e esta arte muda o que eu penso da vida.

Bem no meio da cidade ideal tem uma biblioteca imensa, com corredores em espiral, um labirinto. Nos cantinhos mais escondidos há portas secretas para os livros que nunca foram lidos, aqueles mágicos que aguardam um olhar atento às suas letras. Nas escadarias da biblioteca, sentam-se todos os jovens leitores, livros a postos, jovens de idade ou jovens de olhar, à sombra da marquise. O zum-zum eterno do pensamento sempre me para quando passo por ali.

Aqui e ali, bares para todos os gostos se instalam. Na cidade ideal, o gosto é pela música – qualquer. Tem bar de sertanejo, bar de rock, bar de jazz, bar de música clássica. Se quero ouvir uma ária de Verdi, é para um bar – este reino despretensioso e igualitário onde reina o rei garçom com seu cetro de bandeja – que eu vou. A música está espalhada, distribuída, acontece em qualquer lugar. Todo mundo vai de chinelos ao concerto que, todos os meses, a Orquestra local organiza às margens do lago.

Esta cidade é tão boa, que nem dá vontade de sair. Mas de quando em vez, quero ir à praia, e de vez em quando quero ver outras. Então, ela tem um aeroporto pertinho, uns 50km, que me leva para o mundo, para me lembrar que há sempre coisa nova, que pode melhorar, que há mais diversidade do que encontro aqui.

Na cidade ideal não tenho carro. Gosto muito de andar de ônibus e ver as ruas arborizadas, encontrar essa gente daqui e conversar sobre o último livro que li, fazer novos amigos. Quando quero ir mais rápido, uso o metrô, que é baratinho e me deixa em qualquer lugar. É tão bom este sistema, que nem engarrafamentos mais existe: quase ninguém mais tem carro.

O pessoal da cidade ideal trabalha nas empresas que se instalaram lá nos últimos anos em busca de mais qualidade. É, porque o pessoal desta cidade está tão feliz, que gosta do que faz. Faz o que gosta também – a comunidade está sempre encorajando os mais aventureiros a se embrenharem em inovações mil.

Dela, já saiu todo o tipo de engenhoca, que ajudou a mudar o mundo: sensores para saber se o seu filho alérgico pode comer um alimento, chás que devolvem a força às pessoas idosas, a cura do Alzheimer, computadores que iniciam assim que se aperta o start e nunca travam, nem ficam sem bateria.

As empresas da cidade ideal já entenderam o que é morar aqui. Elas querem que as pessoas trabalhem menos, porém melhor. Elas viram que ser diferente é bom, assim que começaram a sair as primeiras interfaces interligando música – biotecnologia – windsurf. Então, elas não fazem mais questão que as pessoas sejam assim, ou assado.

Aliás, para as entrevistas, nem descrevem um perfil desejado. Elas não têm mais caixinhas para colocar as pessoas: os gestores querem conhecer gente de verdade, não um papel. Nas empresas da cidade ideal, a busca é por gente que tenha muita vontade de trabalhar ali. A entrevista é para há se contato, para se olhar no olho. Não importa se você não tem experiência, ou se tem experiência demais. O gestor de lá quer saber se você tem gana e quer inovar.

Quando o pessoal sai do trabalho, se encontra no parque. Ou senta na frente da biblioteca. Ou passa no supermercado e faz uma jantinha para os amigos. Tem vida, todos os dias, à noite. Para os adultos, para as crianças, para os idosos, para quem está no hospital se tratando.

Os cantores de L'Isle-sur-le-Sorgue
Os cantores de L’Isle-sur-le-Sorgue

Na minha cidade ideal, não tem mais muito espaço para todos terem.

Na minha cidade ideal, tem muito espaço para todos serem.

 

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3 comentários sobre “A CIDADE IDEAL – ou, O MELHOR LUGAR PARA VIVER

  1. Lindo texto. Infelizmente, a cidade ideal é uma utopia, mas vale à pena sonhar e desejar uma vida mais recheada de alegrias e satisfação.

    Enviado por Samsung Mobile

  2. Meu pequeno paraiso é um lugar onde se pode passar muito tempo sem sentir falta de outro local.
    Não é uma base de lançamento para novas aventuras.
    Alí já é a maior de todas aventuras.
    Meu paraiso tem nome.
    Fazenda Casa Branca.

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