Sem música, a vida seria um engano.
Nietzsche
Lá por 2006 (em uma das nossas 11 mudanças), troquei de apartamento em Jundiaí. Nesse momento, troquei de endereço. Aproveitei o ensejo, e já troquei de celular – tinha um Walking Dead e comprei um Chiaroscuro. Um dia, dirigindo para São Paulo, deparei-me com a fragilidade da minha situação: quem quisesse me localizar fora do trabalho, não me acharia (talvez, apenas via Orkut, mas nem todo mundo usava). Era como se eu pudesse me reinventar.
Parece que uma mudança inspirou a outra, numa cadeia de eventos que tinha a ver com o momento pelo que eu estava passando – cheio de revelações sobre o meu mundo interno. A análise começava a mostrar seus efeitos e eu estava prestes a deixar para trás um monte de cargas que carregava. Parece que fiz este movimento em todas as frentes que consegui.
Mais jovem, terminei um namoro não-saudável porque vi uma peça de teatro. Acordei no dia seguinte a “Eu sei que vou te amar” e simplesmente soube que aquele era o último dia. Pedi demissão porque vi um filme.
Decidi ficar em Lins porque um dia vi um concerto da OSJL.
Sempre me intrigaram estes eventos que parecem aleatórios, mas que olhados de uma certa distância, fazem parte de uma engrenagem. Alguém perde um amor, e você começa a ler mais. Seu tio engorda e sua vizinha começa a ir na academia. Alguém sai da sua empresa e você começa a se questionar se aquele é mesmo o lugar para você. Você lê um livro e a sua vida muda completamente.
De formas de se aprender algo, e a experiência é a melhor professora – e a mais cruel, a mais tenaz, a mais convincente -, a arte sempre foi a minha.
Primeiro foram os livros, abrindo mais uma vez o mundo da menina que tinha saído da capital para o interior. Lembro do primeiro livro “de adulta” que li (para fins didáticos, tal livro será mencionado e doravante esquecido da minha trajetória literária. Era ele: O Anel de Noivado, de Daniele Steel), voltando, após a leitura do meu primeiro livro de adulta, passei dias questionando-me se deveria ler outro, sob pena do segundo ser ruim e obscurecer o brilho e êxtase em que o primeiro havia me colocado.
Depois a música, que mostrou que antes de mim também houvera uma geração transloucada, inquieta e louca de vontade de chutar o pau de qualquer barraca que se armasse à frente.
A pintura, maior das artes, sob a forma de um quadro de Van Gogh que via pela primeira vez, destruiu meu modo de ver os outros como um todo e, na plena incapacidade de seguir seus caminhos, me jogou à fotografia.
Uma obra de arte leva a outra. Pete Seeger falou que todos os compositores estão ligados em uma longa corrente – uma nova canção nunca é original, pois invariavelmente bebeu desta cadeia de canções de que surgiu. Que uma arte leva a outra, de forma não consciente, como esses eventos que parecem aleatórios, mas que, olhados de uma certa distância, fazem parte de uma engrenagem.
Mais ou menos assim, sem ser sua intenção principal ou ao menos um pequeno esforço, a OSJL me fez ficar em Lins. Mais do que isso, jogou-me novamente dentro de um estado criativo – e comecei a fotografar novamente, e a escrever novamente. Uma obra de arte leva a outra.
Nas plateias desses concertos, sentam-se centenas de artistas – explícitos ou encasulados. Imaginem quantos deles pegam um pequeno fio de melodia, ou a passagem mais vigorosa do Coro, e isso transformam na sua arte.
A extensão do trabalho de uma orquestra está nestas engrenagens que ela põe em movimento. Cada um dos 1100 ouvintes do último concerto, cada um que chegou com seu carro, ou de moto, ou a pé, ou a cavalo, cada um que se sentou em cadeiras de plástico e que teve a paciência de escutar a todo o espetáculo, ou mesmo aqueles que saíram antes, impacientes com a música desconhecida, cada um deles pegou um fio de melodia e o transformou.
Nem todos reconhecerão esta transformação de cara, como parte desses eventos que somente não são aleatórios à distância – mas de fato, 1100 possíveis transformações ocorreram. Como alguém que recomeçou um trabalho literário. Um casal que decidiu patrocinar a vinda de um músico. Um moço que resolveu que a maturidade havia chegado. Uma mulher que voltou a tricotar. Um homem maduro que juntou suas forças no chão e abandonou tudo. Uma menina que decidiu começar a pintar. Um jovem que teve uma ideia de negócio.
Este é o poder de uma Orquestra. Não se resume às 2 horas de espetáculo – estende-se por todo o sempre, marcando indelevelmente as vidas da plateia que se reuniu à sua obra.
Frequente a sua Orquestra. Seja sua Orquestra.
Quem sabe quais engrenagens começam a se movimentar – e com elas, eventos não-aleatórios transformam o seu mundo em arte?
Ps.: As imagens que ilustram este post, mais um exemplo da arte que inspira arte, são da fotógrafa linense Cristiane Maietto e foram gentilmente cedidas. Você pode conferir o trabalho e contatar desta artista no Flickr e na sua página do Facebook.
10 comentários sobre “ARTE QUE INSPIRA ARTE – ou, O QUE É PRECISO PARA MUDAR A SUA VIDA”