Desde sempre, na casa praia, tínhamos os mesmos vizinhos na frente. Durante muito tempo também, tivemos os mesmos vizinhos aos lados e nos fundos, mas na frente é que sempre foram os mesmos vizinhos. Quem passa os verões num mesmo lugar, e sempre retorna para a mesma praia, tem uma experiência completamente diferente daqueles que sempre conhecem um lugar diferente.
Na casa da frente, veraneava uma família. Pai, mãe, duas filhas. A Princesa Daiana, a filha da nossa idade, é uma amiga desde sempre. Não me lembro de a ter conhecido, ela simplesmente sempre existiu. Anos e anos em sequência, a Princesa Daiana era a certeza de muitas aventuras e explorações em Tramandaí – ela, minha irmã e eu erámos um time. Andávamos pelas ruas seguras, brincávamos de tudo, caçávamos girinos e espiávamos as obras das casas novas que iam se estabelecendo naquela zona nova da cidade. Quando compramos uma bodyboard (naquela época não tinha esse nome, era morey boogie mesmo), foi com ela que surfamos pela primeira vez, tomei os primeiros caldos e o derradeiro, que me afastou de vez dos campeonatos mundiais da categoria.
Era engraçado cada início de verão. Como a cada ano voltávamos com um eu novo, tínhamos que resgatar essa amizade como se nem nos conhecêssemos (hoje penso, que bobagem! quantos dias de brincadeira não perdemos nesse joguinho bobo). Até o dia que a Princesa Daiana finalmente resolveu deixar esse joguinho para trás e vir, na hora em que o carro estacionou, de braços abertos e sorrisão que lhe é típico até hoje, nos dar as boas-vindas e reafirmar a nossa amizade – convidando para brincar.
Que libertador que este passo foi! Que alguém poderia estar longe de ti quase um ano inteiro, e mesmo assim te acolher com vontade, não era algo que eu soubesse ali pelos menos 9 ou 10 anos. Foi tão fundamental este momento que hoje, aos 36, ainda me lembro com clareza até do lado do carro em que ela foi nos receber (do carona, pois aos 10 anos somos bem mais espertos do que todos ao redor – ela mediu a minha mãe, meu pai, e se deu conta de que a chance de sairmos mais rapidamente era pelo lado da mãe).
Esta provavelmente foi a minha primeira prova de amizade – a primeira vez que alguém disse claramente ao mundo: olha ali, ali tem uma guria de quem eu gosto. Ela é minha amiga.
Passados os anos, vieram outras mais. Gente que viajou para estar comigo, ou que simplesmente segurou a minha mão ou me abraçou enquanto eu chorava uma desilusão. Aquela que aguentou a minha cara emburrada em um outro continente. Amiga que ouviu eu falar incessantemente de um novo paquera como se fosse o príncipe encantado descendo dos céus em uma carruagem de purpurina estelar, ao som de harpas, apesar de tê-lo conhecido há 1 dia. Amiga que escolheu morar na minha cidade, só porque eu morava lá. Amiga que ofereceu casa, comida, roupa lavada para um casal e uma filha, enquanto fazíamos uma mudança. Amigo que carregou caixas e ajudou a desempacotar a mudança no quarto andar do prédio sem elevador, quando eu estava grávida.
Todo mundo carrega cargas. Cargas mais pesadas, mais leves. Cargas antigas, cheias de verrugas, cargas recém feitas. Uns mais cheios de cargas, outros já andando meio leves, na ponta dos pés, como aquele menino, amigo da Sara, que parece querer voar.
Mas todo mundo também leva seus amigos. Leva esses sinais de que a humanidade é feita para o contato, para a beleza. Leva esta dança de seres, que é leve, e que se manifesta em cada um dos laços de amizade, que são a própria vida.
Esta é uma singela retribuição a todos os amigos que nos trouxeram até aqui. Que vocês sejam tão felizes e bem-aventurados e cheios de gratidão quanto nos deixaram neste caminho.
Que vocês dancem esta dança conosco por toda a eternidade. Inclusive você, Princesa Daiana.
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