ODE ÀS AMIZADES

Desde sempre, na casa praia, tínhamos os mesmos vizinhos na frente. Durante muito tempo também, tivemos os mesmos vizinhos aos lados e nos fundos, mas na frente é que sempre foram os mesmos vizinhos. Quem passa os verões num mesmo lugar, e sempre retorna para a mesma praia, tem uma experiência completamente diferente daqueles que sempre conhecem um lugar diferente.

Na casa da frente, veraneava uma família. Pai, mãe, duas filhas. A Princesa Daiana, a filha da nossa idade, é uma amiga desde sempre. Não me lembro de a ter conhecido, ela simplesmente sempre existiu. Anos e anos em sequência, a Princesa Daiana era a certeza de muitas aventuras e explorações em Tramandaí – ela, minha irmã e eu erámos um time. Andávamos pelas ruas seguras, brincávamos de tudo, caçávamos girinos e espiávamos as obras das casas novas que iam se estabelecendo naquela zona nova da cidade. Quando compramos uma bodyboard (naquela época não tinha esse nome, era morey boogie mesmo), foi com ela que surfamos pela primeira vez, tomei os primeiros caldos e o derradeiro, que me afastou de vez dos campeonatos mundiais da categoria.

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ESCREVENDO NA AREIA, ESCREVENDO COM ÁGUA

Eu passei a infância, adolescência e a transição para a vida adulta curtindo o verão numa casa de praia que a família tinha em Tramandaí, no Rio Grande do Sul. Quem vai à praia aos finais de semana, ou passa uma temporada por lá, tem uma experiência muito diferente de quem passa um mês inteiro e volta todo ano para a mesma casa. Pensando hoje, é uma experiência existencial, como se todos os anos pudéssemos testar um novo eu, fresquinho, durante os 30 dias que duravam o veraneio.

Na praia, podíamos ser quem quiséssemos. Eu podia ser a menina mandona e emburrada, ou podia ser descolada e maneira e gostar de reggae. Dava para fingir ser popular, ou trocar de religião e contemplar a umbanda. Dava para esquecer a vergonha e dar feliz ano novo para todos os carros que passavam na avenida, ou fazer amizade com os surfistas locais que encontrávamos na beira da praia. Dava para pensar ser uma razoável jogadora de vôlei, e treinar com as minhas amigas para valer. Dava para ser o que eu sempre era, ou simplesmente criar um novo ser que era mais uma possibilidade de mim.

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