WÜRZBURG E O DIA EM QUE (QUASE) NOS METEMOS EM UMA (POSSÍVEL) ROUBADA

Então, uns dias antes da viagem, a explosão da crise: o real começa a se desvalorizar frente às demais moedas (dólar, euro, sol peruano, yuan, a oferta é grande) e o euro bate na casa dos 4 reais. Passagens compradas, uns 10 dias de estadia em casas de amigos na Alemanha, mas ainda 6 dias para resolver – onde ficar?

Veio a ideia do couchsurfing: quem sabe tentar? Além de ajudar em tempos de reais vacas magras, nos dá a chance única de conhecer pessoas nesta viagem. Porque, se não, ficaríamos sentados dentro do quarto de hotel. Já tinha experiência recebendo pessoas no Brasil, mas nunca tinha sido hospedada por ninguém.

Muito menos com uma filha.

Conversamos e o Fernando topou. Fiz o perfil, coloquei umas fotos nossas e saí em busca de alguém em Rothenburg ob der Tauber para nos hospedar. De três tentativas, duas famílias nos aceitam, e decidimos por uma delas.

criança menina mulher olhando pela janela
Nadine e o nosso quarto com janela inclinada e vista para tudo ao redor

A Nadine e o Markus foram anfitriões perfeitos. Buscaram-nos na estação de trem em outra cidade, nos puseram em um quarto com uma janela inclinada sobre a cabeceira da cama, nos levaram para passear em Rothenburg, fizeram churrasco à noite, com direito a muito vinho. No dia seguinte, quando eu tive uma “pequena” crise de ansiedade por não conseguir encontrar hospedagem em Würzburg, para onde queríamos ir, ela deixou seus afazeres e foi dar uma volta comigo para eu me acalmar. Abraçou-me e disse: fiquem mais, não tem problema.

Tudo o que eles fizeram deixou apenas uma impressão maravilhosa do Couchsurfing, então seguimos tentando. Em Würzburg, contudo, a coisa não parecia mais tão fácil – a minha crise tinha vindo justamente da falta de resposta dos anfitriões de lá (agora eu sei que estávamos pedindo pouso com muito pouca antecedência – uns 7 dias é o mínimo, e podíamos ter feito os planos já no Brasil).

A primeira resposta positiva, pegamos e fomos. Sentimos que estávamos ganhando o jogo, até que já estávamos em Würzburg, malas, carrinho, Sara, e nada de endereço da criatura. Liguei – ele não pareceu me reconhecer quando me apresentei. Pedi se estava tudo certo para irmos, se estava bem – numa voz meio grogue, meio ausente, me disse que sim. Que me mandaria o endereço em breve.

Aproveitamos para caminhar um pouco pelo centro da cidade. Vamos a pé, seguindo o mapa que a Deustche Bahn oferece no seu Centro de Informações na estação de trem. Nem precisava – o mundo está indo para o mesmo lugar.

wurzburg
Todos os trams te levam à Marktplatz

Würzburg é famosa pelas obras barrocas – esse estilo que fala de emoções, de poder, de riqueza, principalmente ligado à Contra-Reforma da Igreja Católica. Não admira que o Principado regido por um Bispo tenha usado este estilo para suas peças mais emblemáticas.

Após a Markzplatz, seguimos à direita, em direção ao rio Main: que linda vista nos esperava! Além do barroco, Würzburg é famosa pelo vinho franconiano que produz. Há vinhedos por toda a parte, e pequenas bodegas vendem um caro vinho em taça à beira do rio.

Pego uma taça do vinho do mais barato que encontro – e descubro que é uma iguaria! É o Federweiβer: o mosto fermentado, ainda turvo, gaseificado, alcóolico, mas que ainda não desenvolveu plenamente seu sabor de vinho, e que só é encontrado de setembro a outubro.

É como beber vinho comendo um prato de pêssegos, de tão delicioso. E pensar que era o mais barato! Quantas vezes associamos prazer ao luxo?

Federweiβer, luxo barato sobre a ponte de Würzburg. Não, não é Yakult, queridos. :P
Federweiβer, luxo barato sobre a ponte de Würzburg. Não, não é Yakult, queridos. 😛

Umas 2h depois, quando já começamos a fazer planos de seguir rumo para Frankfurt, o endereço chega. Voltamos à estação, pegamos as malas, e seguimos o roteiro que nosso anfitrião nos mandou.

Na parada do tram, do outro lado da rua, haverá um arco ao lado de uma pizzaria. Passando o arco, um quintal comunitário. Ele estaria ali nos esperando.

Sob o arco, apenas lixeiras. No quintal, uns 10 homens de todas as idades jogavam pingue-pongue. Era umas 3h da tarde de uma terça-feira. Entramos com malas, carrinho, criança, todos nos olharam. Senti um arrepio na espinha na mesma hora. Nenhum se apresentou, e alguns pareceram se entreter com a nossa presença por aquelas bandas.

Na segunda parte da quadra, duas pessoas mexiam com madeira. Eu já era a mais distante do grupo – Fernando, empurrando a Sara, ia caminhando cada vez mais devagar. Ninguém se apresenta, eu viro, olho para o Fernando, e simplesmente vamos embora.

Sabe aquelas horas em que você apenas sabe que algo não está certo? Foi o que sentimos.

Temos socorro em Frankfurt, o casal por trás do Pequenos pelo Mundo – que linda a comunidade que se forma entre blogueiros. Porém Würzburg é tão linda, não é possível que iremos embora após termos passado apenas algumas horinhas por ali.

repolho decorativo
Até na feira Würzburg é lindinha 😉 Alguém quer um repolho decorativo aí?

Enquanto nos dirigimos à estação, olho para a direita e vejo um símbolo que reconheço. Era o Babelfish, o hostel que havia me respondido com uma diária não absurda no dia anterior. Como a resposta viera após a confirmação do nosso hóspede, acabei nem dando muita atenção.

Vamos tentar.

Eles ainda têm o quarto. São 74 euros para um apartamento para 4 pessoas, com sala e cozinha, banheiro privativo. Vista para a Igreja próxima, em frente à estação.

vista telhados wurzburg
A romântica vista do nosso quarto no Hostel Babelfish.

Subimos com as mãos cheias de lençóis, toalhas, malas, carrinho, mochila, Sara. Abrimos a porta: parece que chegamos ao paraíso. Todo o stress dos últimos dias, não encontrar um anfitrião, não encontrar hotel, o local estranho onde estávamos indo, foi embora ao depositar as malas no chão.

A sala do nosso apartamento em Würzburg - Hostel Babelfish
A sala do nosso apartamento em Würzburg – Hostel Babelfish

É apenas uma noite, e no dia seguinte já seguiremos até Frankfurt – mas é o suficiente para recarregar as energias e recobrar o ânimo.

Saímos mais leves para explorar Würzburg a pé: a residência em vias de fechar, decidimos visitar os jardins (sábia decisão, o dia seguinte, chuvoso, faria deste passeio uma dificuldade).

No dia seguinte, após um café da manhã reforçado no próprio hotel – uma cortesia cedida ao Cuore Curioso – mais passeio: entramos na Residência de Würzburg.

Aqui viviam os bispos-príncipes da Francônia, com todo o luxo, pompa, circunstância e ornamentos barrocos folhados a ouro. Fiquei pensando num outro palácio, do mesmo período – Versailles – em que reis viviam entre ouro, espelhos e iguarias, enquanto a população passava fome.

Residência de Würzburg estátua
Residência de Würzburg

Não me espanta que em alguns países a monarquia permaneça firme e forte, enquanto que em outros, tenha sido derrubada à força. Governantes que não sabem se portar diante do povo, e que pensam que estão acima de qualquer repreenda, são alvos fáceis da revolta popular.

jardim residência wurzburg
Mas que a Residência e os Jardins são lindos… isso são sim! Obrigada, opulência dos monarcas absolutistas! (#not)

Depois do palácio, ainda conhecemos a Catedral de São Kilian, quase completamente reconstruída após a destruição da Guerra. Würzburg foi uma das cidades alemãs eleitas para bombardeios no final da guerra – ataques que dizimaram a cidade e descarregaram todo o ódio aliado (fundado, não fundado? O que você diria, caro leitor?) sobre milhares de cidadãos, patrimônios históricos, casas, prédios e igrejas medievais, que haviam resistido até aqueles dias.

É um tanto quanto engraçado andar por ali: você entra numa Igreja europeia e espera obras de arte antiquíssimas. Aqui, contudo, o moderno e o antigo estão lado a lado, criando um panorama interessante passado/presente. Uma forma de lembrar que a Catedral bombardeada não existe mais.

música de rua wurzburg
Um pouco de música de rua para acalmar mentes ansiosas que não gostam de chuva em viagem…

Enquanto vamos embora, o Sol parece querer dar as caras sobre Würzburg finalmente. Estamos indo à estação de trem, mas vamos de ônibus a Frankfurt, porque é 1/7 do preço. No caminho, uma dupla toca música e fica feliz porque paramos para escutá-los.

Vista da Estação de Trem de Würzburg. Ou dos vinhedos - você escolhe ;) chafariz
Vista da Estação de Trem de Würzburg. Ou dos vinhedos – você escolhe 😉

Quantas cidades você conhece cujos vinhedos se apresentam no centro, pertinho de tudo, como um tapete de parreirais convidando a um passeio?

 

ps.: a respeito de Couchsurfing, minha impressão continua boa, tanto é que estamos tentando fazer um pouco aqui na Ásia (mas são BEM menos hosts do que na Europa). É bem provável que, se tivéssemos encontrado o nosso host, a impressão ruim teria desaparecido  – ele foi (antes e depois do incidente) muito bacana conosco por e-mail, e inclusive pediu desculpas por ter sido meio lento nas comunicações conosco.

Eu recomendo a todos que entrem no site e o usem em viagens. Usem também como anfitriões nas suas próprias casas – é uma forma fantástica de conhecer culturas e fazer novos amigos.

 

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4 comentários sobre “WÜRZBURG E O DIA EM QUE (QUASE) NOS METEMOS EM UMA (POSSÍVEL) ROUBADA

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