A única fronteira seca que eu conhecia até a viagem era a rua entre Santana do Livramento e Rivera, que liga o Sul do Brasil ao Uruguai. É um lugar peculiar: atravessa-se uma rua e estamos em outro país. Para os gaúchos, algo razoavelmente trivial, mas assim que me mudei para São Paulo comecei a ver que para o resto do Brasil, não. Afinal, num país imenso, cuja maior parte da população e capitais está próxima ao mar, este contato com outro país é bem distante.
Pois estávamos na China, chegando ao limite do que aguentávamos queríamos ver por lá, e tínhamos que ir para o Vietnam. Que melhor caminho do que pegar o ônibus e se deslocar lentamente pela mudança de paisagem e cultura é que é a estrada de Nanning a Hanoi?
Nanning é uma cidade internacional, cheia de expatriados, então comprar a passagem foi razoavelmente fácil. Nosso hostel era do tipo internacional também, bem diferente do que havíamos encontrado no norte da China. Ao chegar, uma pasta com respostas para as perguntas típicas dos viajantes aguardava o incauto: onde comprar passagens para o Vietnam, como tirar o visto, como ir a Guilin e que passeios fazer por ali. Tudo em chinês e inglês, com fotos – um típico exemplo de que, com um pouco de esforço, mínimo, um hotel consegue se destacar.
Resolvemos não usar os serviços do hotel e pedir o visto nós mesmos no Consulado do Vietnam. Depois da viagem de trem à noite, aproveitamos a cama boa e a cortina escura para dormir bastante: então, para não atrasar ainda mais a emissão, pegamos um táxi. Infelizmente, o bonito não sabia onde era o Consulado – e muito menos falava inglês – mas o hotel tinha nos dado um dos famosos bilhetinhos em chinês e tudo estava resolvido.
Desembarcamos num prédio imenso, portas douradas, e subimos ao 27º andar. No elevador, contudo, só para confirmar, pedimos a uma moça bem vestida se o Consulado era ali. Ela fez que não e nos mandou esperar. Entrou num apartamento, saiu, nos chamou, descemos, saímos do prédio e ela nos conduziu para a lateral da quadra – apontando para a entrada de outro prédio onde ele ficava. Quando nos cansamos dos chineses e sua “tiração de fotos” da Sara, nos surpreendemos com pessoas assim, que querem realmente ajudar.
Uma boa lembrança para todo mundo que adora dizer “os chineses são assim” ou “os franceses são assim” ou “os judeus são assim” ou “os nordestinos são assim”: as pessoas são todas diferentes, umas das outras.
Continuando: a emissão do visto para o Vietnam foi muito fácil, preenche um formulário, paga, entrega os passaportes e espera. O nosso ficou pronto de um dia para o outro – aparentemente existe emissão de urgência e emissões mais baratas que demoram mais, mas nem nos ofereceram a opção.
Não fizemos muita coisa em Nanning, a não ser escrever, comprar a bandeira para a coleção do meu pai, comer, comprar passagens e esperar pelo visto. Depois de vários dias com atrações imperdíveis, que nos faziam levantar cedo e caminhar o dia todo, foi um descanso muito bom. À noite, até um cineminha no hostel pegamos (o segundo da saga dos Hobbits).
O mercado de comida noturno ficava bem próximo do hotel. Vocês sabem como a gente é maluco por uma comidinha de rua, não é? Aproveitamos para passear bastante por aqui – uma feirinha bem mais tranquila e real do que o Quarteirão Muçulmano em Xi’an.
Foi em Nanning que comi uma das minhas comidas de rua favoritas da China: esse espetinho com vegetais, bacon, carne. Uma delícia!
Também impressiona a quantidade de frutos do mar – mesmo não sendo uma cidade à beira mar, os restaurantes mais lotados serviam todos os tipos de conchas, crustáceos, peixes. O esquema é: escolha o que quer comer, pese e sente-se à mesa.
O dia da viagem para o Vietnam era o meu aniversário – o que significa que passei pela primeira vez um aniversário em dois países, com carimbo no visto para confirmar 😛
Há um ônibus diurno e um trem noturno – a predileção da internet parece ser o trem. Apenas para contrariar Como estamos com criança, preferimos viajar de dia, e com isso temos como ir admirando a paisagem também. É um belo esquema internacional: um ônibus bem razoável sai de Nanning (preferimos o que sai do Centro de Distribuição Internacional de Nanning, apenas porque era mais próximo ao hostel), leva até a fronteira da China.
Lá, um carrinho de golfe carrega você e suas malas entre as duas imigrações e depois até o ônibus. Do lado de lá, já no Vietnam, uma espécie de rodoviária aguarda a chegada dos turistas para colocá-los em outro ônibus que segue até Hanói.
Dá para escolher outros destinos – no lado vietnamita, saem ônibus para os principais destinos do Vietnam, incluindo Sapa e Halong Bay. Ou seja, não é obrigatório passar por Hanói para seguir adiante no país (apesar de altamente recomendado!).
O ônibus saiu da China bem vazio, o que me deu a chance de escolher uma poltrona mais no fundo e escrever. É servido um café da manhã (pão recheado e água), e há uma parada no lado chinês (milagrosamente, um ônibus na China que para apenas 1 vez), onde trocamos um pouco de yuan para termos dinheiro para o táxi na chegada em Hanói.
Havia lido que a viagem do lado chinês era mais bonita – e o ônibus chinês melhor. Não foi o que vimos: apesar da paisagem chinesa ser bonita mesmo, com as formações rochosas de calcário típicas daquela região entre o Sul da China e o Norte do Vietnam, quando entramos no Vietnam a abundância de verde, campos de arroz, templos, casas em estilo francês e gente trabalhando fizeram a festa da fotógrafa aqui. E o ônibus vietnamita, bem melhor do que o chinês – mais um ponto para o Vietnam!
Na imigração chinesa, nada a comentar – a não ser o fato de que a Sara, mais uma vez, virou atração. Tamanha, que uns três oficiais vieram vê-la e perguntavam “o que vocês acharam da China?”. Estavam surpresos que uma família brasileira houvesse passado tanto tempo no país.
No lado vietnamita, um oficial de farda, estrelinha no peito e cara fechada olhou nossos passaportes, conferiu o visto, não perguntou nada e nos deixou entrar.
Uhuuu!!! Estamos no Vietnam! Estávamos muito empolgados em deixar a China para trás e desbravar um país novo, que nos parecia tão misterioso também. Pouca gente conhecida havia ido para lá – condição que sempre nos empurra a ir. (Quer evitar que eu apareça em algum lugar é dizer “todo mundo vai para lá”. Adoooooro ir onde pouca gente vai!!!)
A sensação de “uhuuuu”, contudo, durou pouco. Quando chegamos do lado do Vietnam, descobrimos que teríamos que aguardar mais 1 hora e meia sentados ali (pelo quê? Ninguém sabia dizer realmente). Sentamos na sala ao lado da recepção da empresa de ônibus e estávamos já aguardando o nosso destino quando alguém veio correndo: o ônibus de vocês já está saindo! Ufa, acho que foi menos de 1 hora de espera.
A viagem até Hanói foi tranquila e já começamos a entender um pouco do Vietnam apenas pela estrada. Um país bem mais pobre que a China, mas que tem muito cuidado com suas casas, ruas. Camponeses trabalhando no campo, manualmente – nenhum implemento agrícola, nenhum latifúndio, nenhuma mega-fazenda, nenhuma mega-máquina. Casas de estilo colonial francês denunciavam o passado que ainda permanece na cultura.
Chegando em Hanói, um grande rio e um lindo congestionamento nos aguardava. A tradição de Hanói – motinhos carregando tudo o que se pode imaginar – também logo se apresentou!
8 horas depois da saída, chegamos no hotel. Cansados, suados (faz calor demais em Hanói) e mortos de fome – ninguém tinha realmente almoçado na viagem. E era meu aniversário.
Com a roupa que estávamos – eu, shortinho e blusa física (aliás, mesmo modelito fashion que estou usando enquanto escrevo este texto 😛 ) – saímos para as ruas da cidade. O pessoal do hotel foi bacana o suficiente para nos “escoltar” até o restaurante onde o marido da dona era chef. Eu havia pedido comida típica vietnamita – e eles nos levaram num restaurante para estrangeiros, cujo maior trunfo era o chopp artesanal que serviam. Quando olhei o cardápio e vi apenas uma página dedicada à comida local, percebi que havia sido enganada.
Como a única obrigação que temos na vida é com a nossa filha, levantamos e saímos. Nessa hora, foi bom ter baixado o Tripadvisor off-line – ali perto tinha um restaurante bem bacana, mais ao estilo que eu estava pensando.
Chegamos no Gia Ngu suados, cansados, roupitcha com cheiro de viagem de ônibus, sem reserva. Mesmo assim, nos acomodaram numa mesa bacana, nos serviram com o maior melhor sorriso e no final ainda ganhei um parabéns do restaurante inteiro com um bolo de cortesia.
É o que eu falei no texto sobre copo-vazio, copo-cheio. Eu poderia ficar me lembrando da viagem cansativa de ônibus.
Mas prefiro guardar na memória e no coração as horas olhando aquela paisagem incrível, as pessoas atenciosas que nos ajudaram no caminho e o jantar acolhedor e surpreendente que fizemos no final.
Vietnam, chegamos!
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3 comentários sobre “PASSEI MEU ANIVERSÁRIO EM DOIS PAÍSES (DENTRO DE UM ÔNIBUS ENTRE A CHINA E O VIETNAM)!!”