O que torna uma atração famosa? Como conseguimos dizer que algo é espetacular – e algo apenas mais ou menos? Será que o espetacular para você é espetacular para mim também?
Nós somos o casal que foi a Machu Picchu e ficou bem mais impressionado com as Salineras de Maras.
Por quê?
Tivemos a sensação de algo único, mágico, vivo. Algo que não estava nos sonhos de todas as pessoas que conhecíamos, e que podíamos tratar como apenas nosso. Vimos aquela lateral de montanha toda pintadinha de branco, com piscinas dos mais variados tons terrosos, uma corrente de água salina saindo de dentro da montanha e o povo trabalhando para secar a água e juntar o sal rosado e cheio de ferro e nos maravilhamos.
Do mesmo jeito que nos maravilhamos com Huaraz, onde até de uma fonte de água gaseificada brotando do chão bebemos.
Nesta viagem à China, queremos ver as grandes atrações. Mas também queremos encontrar esses lugares mágicos, misteriosos, que pouca gente conhece e em que menos ainda vai.
Chegamos a Xi’an já sabendo de um lugar destes. O mundo vai a Xi’an por conta dos Guerreiros de Terracota – e eles são maravilhosos – mas a cidade tem muito mais a oferecer.
Escolhemos Xi’an para passar o Feriado Nacional, a época em que os pobres chineses que não tem férias remuneradas ainda (a maioria) usa seus dias livre para viajar. Preciso reforçar que a China tem 1,3 BILHÃO de pessoas e que eles têm a maior economia do mundo?
Feriado Nacional: a nação mais populosa com o bolso mais recheado põe o pé na estrada. Todos ao mesmo tempo. Atrações lotadas, engarrafamentos em todas as estradas: a gente nem passa o Carnaval na praia no Brasil, imagina que iria pegar um troço desses aqui.
Então escolhemos uma cidade do meio da viagem, chegamos uns 3 dias antes do feriado (que dura 1 semana) e saímos 1 dias depois. Deu certo – e até digo que poderíamos ter saído um ou dois dias antes de Xi’an. Mas continuando.
Visitamos os Guerreiros de Terracota – mais precisamente Museu dos Guerreiros e Cavalos de Terracota Qin – no primeiro dia. Para evitar grupos (que lotam o lugar de chineses, uns seguindo os outros e todos seguindo uma bandeirinha colorida do guia à frente) aceitamos a sugestão do Living If e chegamos na primeira hora da tarde.
De Xi’an, bem fácil: é só ir até a estação de trem e pegar o ônibus 306, que te deixa na porta. A viagem é longuinha, porque os Guerreiros não ficam em Xi’an, mas sim em Litong, uma cidade ao lado que também é grande plantadora de romãs ensacadinhas.
A sugestão foi certeira: encontramos a bilheteria com pouco movimento e os pavilhões onde estão os Guerreiros bem suportáveis. Conseguimos um lugar em frente à Tumba nº01 bem facilmente, e por ali ficamos tirando fotos.
Ao caminhar ao lado da tumba, mais espaço ainda. É muito bom encontrar, aqui e ali, um conselho que nos faça evitar as profusões chinesísticas: é claro, em seu próprio país estão na maioria – e a união faz a força (literalmente) por essas bandas.
Ainda existem as Tumbas nº02 e 03 para visitarmos – e na 02 um pequeno museu com algumas das peças mais instigantes encontradas no Mausoléu.
A tradição de enterros com séquitos de todos os tamanhos não é privilégio da China: do Egito ao Japão há mausoléus que reis e imperadores construíram em vida para enfrentar o pós-vida. Joseph Campbell, no livro “As Máscaras de Deus: Oriente”, mostra inclusive que o costume começou muito antes, com o enterro do séquito EM SI – nada de bonequinhos, as próprias pessoas (tem uma excelente explicação sobre a prática dos enterros reais aqui).
Ouch! Vai saber quanto durou esta prática, mas deve ter levado algum tempo matando a corte inteira antes que decidissem fazer apenas bonequinhos dela.
Estima-se que o Mausoléu levou 11 anos para ser preparado – uma tentativa desvairada do místico Rei Qin Shi Huang (considerado o primeiro imperador da China, após a sua unificação) de chegar com o seu Exército no além-vida.
Se for pensar, contudo, parte desta cultura – esmaecida, quase escondida, subliminar – continua conosco, nos dias de hoje.
Ou você nunca foi a um cemitério colocar flores numa lápide?
A construção de um mausoléu não é um evento isolado – ele faz parte da cultura de uma região. Não é de se espantar que no Egito não exista apenas uma, mas dezenas de pirâmides. Aqui em Shaanxi, a província onde fica Xi’an, já foram encontradas 38!
Mesmo que mausoléus como este estejam presente no mundo inteiro, os Guerreiros de Terracota de Xi’an são tão famosos porque foram encontrados recentemente (em 1974), possuem tamanho real e uma série de expressões diferentes. Muitos dos bonecos encontrados nos outros Mausoléus são pequenos.
Apesar, também, do que se VÊ, os Guerreiros não foram encontrados da forma como são apresentados hoje. Seria uma maravilha, hein? Que bonecos de cerâmica fossem encontrados intactos após mais de 2200 anos. Não foi o caso: o que se vê hoje é trabalho de reconstrução das peças que foram encontradas aos pedaços.
Nas tumbas, pode-se ver detalhes das antigas rodas de madeira (que desapareceram) impressas nas paredes, ou das vigas de madeira que sustentavam o telhado da instalação. As portas que, após a construção, foram fechadas e cobertas para evitar que se saqueasse do Mausoléu também são visíveis.
Deixamos o Museu do Parque para o fim – e daí, amigo e amiga, a história que tenho para contar não é lá muito boa. Não tenho dicas, nem iluminações. Não faço a mínima ideia de quando ver esta parte do complexo com calma.
O Museu é relativamente pequeno, basicamente em chinês, e cheio de propaganda de como a China é uma terra de 5000 anos de História, tem um passado grandioso, cheio de méritos e blá, blá, blá.
(Um à parte: a minha questão aqui não é questionar se a China tem ou não um passado cheio de méritos. Ela tem. A questão é que a visão apresentada nas atrações – pelo menos aos estrangeiros, porque estamos lendo apenas a parte em inglês – é de uma Pasárgada, uma Atlântida, um Shangri-la. A terra perfeita em que nada de errado acontece. Cansa. É bem diferente das várias instalações falando do nazismo na Alemanha, ou do Sendero Luminoso e ditadura no Peru.)
Sabe aqueles grupos que evitamos nas tumbas? Pois é, elas são GRANDES. O Parque é GRANDE. O museu, por seu lado, é PEQUENO.
E todos os grupos passam por lá. Invariavelmente. Lembra da união que faz a força? No Museu dos Guerreiros e Carruagens você terá uma aula prática sobre o assunto.
Tipo, de graça. Inclusa no bilhete. Uhuuu.
E o Museu, para piorar, é super escuro: ou seja, você (e todo mundo) leva um século para conseguir tirar uma foto decente, o que apenas piora a situação.
Mas tá valendo, se quiséssemos vir para a China e não encontrar multidões, fôssemos para o deserto de Gobi.
O museu é bacana pois mostra algumas das peças – reconstruídas – mais diferentes: cavalos e carruagens de bronze, oficiais de vários rankings, arqueiros e por aí vai.
Não que você consiga chegar muito perto deles, afinal fotografar e empurrar são os esportes nacionais – mas você consegue ver. Mesmo no meio da multidão 😉
Na saída, o shopping multi-cultural-chinês mais completo que vimos em atrações. Casacos de pele e estolas? Temos! Comida de cada região da China? Temos! Jade, carimbos de pedra, bolsas, chapéus que só se usam no Sul, livros, o que você quiser: temos!
Passaríamos 10 dias em Xi’an, cidade onde a maioria fica por no máximo 2, 3 dias. Tínhamos tempo para explorar lugares não muito famosos (e para dormir, comer e trabalhar, sejamos sinceros, que foi o que mais fizemos).
No Living If, havia lido sobre um outro Mausoléu na região, menos conhecido, mas cujo museu era bem mais explicativo. Hanyangling, o mausoléu de um imperador e sua imperatriz. Quando mencionei os planos para a nossa amiga chinesa, Abby, no hostel, ela apenas torceu o nariz: o que vocês querem fazer lá?
Como as dicas deste site são normalmente muito boas – ei, os caras viajaram sem parar por 3 anos! – fomos mesmo com o nariz virado.
Era o primeiro dia do Feriado Nacional, quando quem tinha sorte de sair na noite anterior já estava lotando cidades pela China. Nosso hostel já tinha mais movimento. Mesmo assim, encontramos o lugar assim:
Ah, antes que me esqueça: como ir de transporte público a quase todas as atrações na China? É só ir lendo a página Travel China Guide – é uma agência de turismo que vende tour, mas também publica material atualizado e bem confiável para quem viaja sem tour. Através do site, descobrimos que existia um ônibus turístico baratinho para ir até lá.
Lá fomos enterrados o Imperador Liu Qi e sua Imperatriz Wang. Além das tumbas para si mesmos (sob uma pirâmide para cada um), foram construídas tumbas para toda uma corte de pequenos bonecos de cerâmica. Os bonecos são pelados e sem braços, porque foram enterrados com roupas de tecidos e braços de madeira.
E não apenas isso: animais domésticos, animais de corte, utensílios de cozinha, panelas, instrumentos musicais, carruagens, monges e cavalos, muitos cavalos. A festa no além-vida iria ser completa.
Ao redor do local das tumbas, o Imperador mandou construir um muro de proteção, com portal de entrada. A parte remanescente do portal Sul pode ser visitada, e fala muito sobre a capacidade tecnológica deste povo há 1800 anos. Isso mesmo, enquanto no Brasil a gente andava de tanga, como costuma dizer a nossa cultura pouco valorizadora dos índios locais.
Depois de visitar as tumbas ao ar livre, desce-se ao um museu no subsolo, com temperatura e umidade controladas, onde se tem que usar um protetor de pés para passear. É MUITO mais proteção do que se vê nos Guerreiros de Terracota. Vai entender? Talvez a China esteja preparando este para ser a “next big thing” do turismo mundial.
O museu fica numa penumbra, mas quem gosta de história será iluminado por placares explicativos muitos mais completos do que aqueles dos Guerreiros. Tipo, aqui você vai finalmente entender o que está vendo.
Algumas centenas de anos já haviam se passado desde o Imperador Qin Shi Huang, então as figuras são menores e com bem menos detalhes. Mesmo assim, impressionantes, pelo tamanho do local, a quantidade de figuras, o número de animais e oficiais presentes.
As tumbas são ordenadas de acordo com a posição social do vivente (enquanto vivente), inclusive com espaço para os criminosos (será que foram enterrados vivos?).
Contudo, esta é apenas a tumba do Imperador. A da Imperatriz está mais à frente, à direita desta. No caminho, dá para ver que ambas as pirâmides tomadas pela vegetação.
No local da tumba da Imperatriz um lindo e imenso jardim de rosas colore a trilha para o Museu, onde estão inúmeras peças encontradas no local. É impressionante ver a preocupação com os detalhes – caldeirões, instrumentos, fogões, todos na escala das figuras de cerâmica.
Há também reconstituições das figuras com as roupas de tecido que um dia as cobriram. É realmente impressionante que este museu seja tão pouco procurado.
Finalmente encontramos uma atração vazia, e finalmente encontramos uma atração preocupada com todos os públicos que recebe (não apenas os chineses).
Shaanxi, o estado em que fica Xi’an, já desenterrou mais de 14 MIL mausoléus. Se gostamos dos Guerreiros de Terracota? É claro que sim!
Mas o Museu do Imperador Liu Qi e Imperatriz Wang trouxeram aquela sensação de algo mágico, único, que quase ninguém conhece. Mais de 3000 objetos já foram escavados por ali – e há muito mais por vir.
O museu do Mausoléu Hanyangling é muito mais completo, informativo e detalhado. Você vê tudo na sua própria velocidade, sem ombradas, cotoveladas, empurradas e outros encontrões tão comuns nos Guerreiros.
Dá para esquecer os Guerreiros?
Não. É a principal atração de Xi’an, e é realmente grandiosa. Eu tive a sensação de dever cumprido quando vi aquelas figuras.
Contudo, os Guerreiros não vão te ajudar muito a entender porque eles próprios existem. Quem fará isso é o Museu Hanyangling – então, sugiro que você coloque um dia a mais na sua agenda de Xi’an e dê uma passadinha lá.
Quem sabe você fique tão maravilhado quanto nós?
Conta para mim: qual atração super-famosa deixou você meio decepcionado? Conta aqui nos comentários, a gente adora conhecer mais os nossos leitores!
Maravilhoso !
A China será o grande destino do turismo e da cultura nos próximos anos.
Texto excelente e que convida o leitor a viajar para China.
Parabéns.
A única coisa é que eles terão que fazer uma preparação imensa para receber o turista, ocidental ou não. Banheiros com assento, limpeza, menus em inglês, pessoal que fale em inglês, hotéis preparados para os diferentes públicos, são apenas alguns dos exemplos…
Quanta experiência. Quantos lugares maravilhosos.
Ah! Também amei o Salar de Mara. Aliás foi onde comprei o colar azul (não lembro o nome da pedra) que te dei de presente.
Estou adorando te acompanhar nessa viagem. Beijos a todos.
Que bom!!! Eu não trouxe o colar, mas ele está guardado com carinho! Eu acho que esta é uma experiência imperdível para uma professora de história que virou guia (quem será? :p )