MISSÃO IMPOSSÍVEL: QUERO IR A XINGPING COM CRIANÇA

“Xingping é pequena. É apenas um vila de Guilin.”

A chinesa alta, estilosa e bem humorada que nos recebera no dia anterior no hostel em Guilin não entendia bem porque essa nossa obsessão por ir a Xingping. Na visão dela, Guilin e seus lindos lagos e parques, seus day-trips a Longsheng, Caverna da Flauta Vermelha e Yangshuo, estava de bom tamanho.

Mesmo assim, eu havia lido na Wikitravel que Xingping era a Yangshuo de 15 anos atrás. E nesses lugares a gente tem que ir rápido, antes que o Rick Steves, a CVC ou a Accor cheguem.

Então, para descrédito da moça, no dia seguinte empacotamos as malas e deixamos o delicioso hostel de Guilin, rumo a Xingping, cumprir algumas missões.

 

Missão número 1: achar o ônibus para Xingping

A questão é que vilas pequenas, que são o que as grandes eram há 15 anos, e que não receberam ainda o Rick Steves, CVC e Accor são, digamos assim,… inacessíveis. Não à toa os bam-bam-bans do turismo não mandam seus rebanhos para lá: é difícil chegar, difícil sair.

A ideia inicial era pegar um ônibus direto para Xingping – e havia informação de que tal ônibus existia, e que ele saía da parte de trás da rodoviária. Lindo, até você chegar na dita: chinês para todos os lados, nenhuma viva alma que fale inglês, e você tem que saber onde é a frente dela para então chegar atrás.

A primeira pessoa nos disse que, para Guilin, somente dali a 3 horas. Aquele véu de desânimo se estabelece nas nossas faces por uns 20 segundos. Aí o lampejo: esse não deve ser um ônibus “oficial”, se sai de trás da rodoviária. Espera aí que vou dar uma volta.

Quando saio, a lateral da rodoviária é outro mundo de gente indo e vindo, o que me confirma que sim, existe algo lá atrás. No caminho, já sou abordada por uma moça, celular de 1997 na mão, antena de metal.

– Yangshuo?

– No, Xingping.

– Aaaaa. Xingping. Xingping (aponta para o celular. Fala algo com alguém. Faz cara de preocupada). No Xingping (aponta para o relógio). Yangshuo (faz uma curva com o dedo) Xingping.

Na linguagem universal da mímica, entendo que não tem mais ônibus para Xingping – o que até hoje penso que era apenas engambelação – mas que poderíamos tomar um ônibus para Yangshuo e de lá para Xingping.

Não era o que queria fazer, mas era o que havia para o momento, vamos lá.

 

Missão número 2: Chegar a Yangshuo

A moça havia me garantido que a Sara não iria pagar – hey, há suas vantagens em viajar com criança pequena :p – o que ela não tinha mencionado era que não haveria cadeira para ela.

Partimos de trás da rodoviária com o ônibus vazio, então ela se sentou ao lado do Fernando. A cobradora do ônibus não ficou muito emocionada com a nossa decisão: na sequência, conforme o ônibus ia lotando até que pequenos bancos fossem colocados no chão, se parou ao lado dos dois e começou a reclamar.

Era uma pessoa de “grande finesse”, batendo nos braços dos passageiros quando queria passar, gritando para que abrissem espaço. Ela bateu no meu braço uma vez apenas: dei uma de louca varrida e gritei com ela em português mesmo. Depois disso, todo mundo se acalmou e seguimos tranquilos, por uma paisagem espetacular.

Bem, nem tão tranquilos.

Sabe aquela coisa da China ultra-moderna, rodovias 100% iluminadas de 6 pistas que são um tapete? Pois é, ficou para trás. Passamos as 2 horas de viagem entrando e saindo de uma pista mal-feita para outra em construção, o banco mal absorvendo o impacto da viagem. Ao lado do Fernando sentou uma grávida que vomitou a viagem inteira.

A paisagem no caminho vai mostrando que estamos no caminho certo!

Que emoção quando o motorista basicamente nos expulsou do ônibus em Yangshuo.

Quem disse que você precisa saber chinês para passear na China? Os chineses estão sempre te observando. E sabem direitinho onde você está indo – se você não sair na parada correta, eles te chutam nela. Fácil assim 😛

 

Missão número 3: Chegar a Xinping

Essa foi fácil.

Inexplicavelmente, na rodoviária de Guilin ninguém falava inglês, mas o primeiro tuk-tuk que nos abordou era de um senhorzinho muito bacana, magrelo, cabelo escuro, que falava inglês fluente!

Basicamente ele nos disse que havíamos sido abandonados porque os ônibus para Xingping saíam ali de perto, e nos levaria lá (por uma graninha, claro, mas nada abusivo).

homem moto viagem xingping

Posso fazer um parêntese? Foi a primeira vez que todos nós andamos de tuk-tuk NA VIDA, acredita? Quem nunca andou, porque não é tão comum no Brasil, não sabe o que está perdendo. É muuuuito bom: a sensação de liberdade, vento na cara, e um telhadinho para não pegar sol demais também. Que delícia!

Chegamos à rodoviária, uma mulher já nos perguntou “Xingping?”, nos mostrou onde colocar as malas e estávamos prontos para sair.

45 minutos depois estávamos em Xingping.

 

Missão número 4: andar de barco de bambu pelo rio Li

Desce do ônibus, pega as malas e caminha até o hotel, aqui estão suas chaves, quantos dias querem ficar?, aqui tem os passeios de Xingping. Quantos anos ela tem? Ahhhhh, só pode andar de barco de bambu com mais de 7 anos.

COMO ASSIM? Eu não li isso em lugar nenhum! Viemos até aqui APENAS para andar de barco de bambu no meio de montanhas de calcário e um rio verdinho e não vou poder andar?

A moça da recepção me explica que era uma regra nova do governo, o que a internet depois confirma. Parece que, querendo colocar um pouco de ordem no coreto (como é de praxe na China), o governo resolveu intervir. Estipulou limite de viagem – não dá mais para fazer algumas rotas, como ir de Xingping para Yangshuo de barco, limite de idade, limite de passageiros e, é claro, aumentou o preço.

Estávamos prometendo este passeio para a Sara desde os pandas. Havia mostrado-lhe fotos e dito que iríamos andar num barco de bambu – uma aventura para lá de aventureira!

Exaurida, quase 3 horas em ônibus sacolejando por estrada esburacada, carregando malas, o peso dos quase 30 dias na China nos ombros, cansada dessa coisa de ter que navegar num idioma que não conheço, e conhecer novas regras a cada instante, eu fui para uma das mesas ao lado da recepção, enterrei a cara nas mãos e chorei.

A Sara sentou do meu lado, estendeu uma das mãozinhas e acariciou a minha cabeça. Não chora, mamãe.

Quando finalmente me acalmei, pegamos as malas, fomos para o quarto e saímos para dar uma volta no cais.

A primeira mulher que nos vê oferece um passeio para nós 3. Como assim, para a Sara também? Sim, para ela também!

Talvez seja uma estratégia universal. Ou quem sabe algo compartilhado apenas por brasileiros e chineses: O JEITINHO. O governo toma para si o cais, o povo usa um ali do lado para continuar com a sua vida. Afinal, a família continua tendo que comer, não?

Enquanto esperamos no cais alternativo a chegada do nosso barco, a companheira da nossa vendedora nos apresenta uma galinha (viva) e aponta um restaurante. Na linguagem universal da mímica, estaria ela nos dizendo que o restaurante ali vende comida fresquinha feita à base de galinha morta por eles mesmos?

Vai saber. O barco chega, e é um menino-homem que o pilota. No passado os barcos eram a remo, porém agora todos são a motor – um motor barulhento, multiplicado pelos mais de 100 barcos que sobem e descem o rio. Somados às lanchas da própria polícia, ainda mais barulhentas, que patrulham incansavelmente as águas por ali – procurando o quê, me pergunto? Mais parecem ser a própria causa de acidente do que o estar prevenindo, de tão rápido que andam.

Os barcos também não são mais de bambu. Bambu abunda pelas margens do rio. Assim como a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra, os idílicos barcos de bambu a remo de Xingping são coisa do passado. A China moderna quer barco rápido, de baixo custo e leve. Dá-lhe PVC.

Apesar disso, e porque ainda não tínhamos conhecido a beleza e silêncio que é Tam Coc no Vietnam, é um passeio incrível.

O rio é verde e transparente. Faz muito calor, morro de vontade, mas não tenho a coragem necessária para entrar (vai saber quão poluído é esse rio?).

Ele corre no meio de montanhas de pedra calcária, paisagem formada por milênios de terremotos e erosão, um espetáculo para alpinistas e afins, tão bonita e representativa para os chineses que a nota de 20 yuan traz uma imagem daqui.

Uma última recordação de Xingping, pra gravar na memória, sonhar e imaginar um mundo lindo.

O barquinho para numa praia de pedras roliças, onde se pode comprar coisas para comer ou alugar pôneis (claro, aqui é a China, tudo é comércio). O barqueiro nos aponta para o alto de uma montanha, mas infelizmente a linguagem universal da mímica não funciona desta vez. Depois descubro que ela é a Colina do Mural, onde supostamente aparecem 9 cavalos. Eu não vejo nada.

Os chineses adoram encontrar formas nos lugares onde vão – dar nomes a estas formas e depois torna-las atrativos turísticos. Mesmo que tais formas sejam meio “disformes”. Segundo o Travel China Guide, numa colina ali próxima há uma pedra que parece um macaco segurando uma melancia. Deu para entender?

Ao invés de alugar pôneis, comprar comida de cheiro duvidoso ou procurar cavalos onde não existem, eu e a Sara preferimos ficar jogando pedras de volta ao rio.

O sol já se pondo atrás das altas rochas, voltamos ao hotel, para comer uma pizza no forno de forno a lenha – a primeira que vemos pela frente desde que chegamos à China.

 

Missão número 5: desbravar o interior de bicicleta.

Navegação de barquinho de “bambu” para trás, o que vamos fazer? Dizem que o interior é muito lindo aqui, que tal irmos de bicicleta?

Alugamos uma bicicleta de três lugares, com um banquinho pequeno para a Sara na frente, pegamos o mapa no hotel e vamos seguindo o trajeto que a dona nos indicou – é fácil, plano, não se preocupem.

Em toda a nossa viagem pela China, é a primeira vez que temos um método próprio de locomoção. Nada daquela sensação de manada. Nada de esperar o horário do ônibus, ser empurrada para dentro do trem, ser esmagada no metrô. Uma simples bicicleta e já nos sentimos donos de tudo ao redor, capazes de explorar até os cantinhos mais remotos dessa vila.

Saímos da loja confiantes em conhecer tudo. Vamos aproveitar o dia!

Rá. Esquecemos um pequeno detalhe.

O calor.

Gente, cuduiz. Como faz calor no Sul da China – e olha que era outono!

Mesmo assim, nos embrenhamos. Saindo do porto, atravessamos a ponte e pegamos à direita, passando por plantações e plantações de toranja. Quando a estrada terminou, continuamos na terra mesmo, tentando fazer um círculo anti-horário e volta ao porto.

No caminho, todos os tipos de plantações, arroz, pimenta, frutas variadas. Cachorros bravos que não queriam saber de bicicletas. O terreno, por vezes acidentado demais, pedregoso demais, nos fazia descer da bicicleta e ir empurrando a bicha – e a Sara, só aproveitando.

Quando a estrada acaba, resolvemos que chega de cantinhos por hoje. Vamos voltar à civilização: pegamos a estrada e continuamos à esquerda depois da ponte. Andamos muito, até chegar novamente ao rio, numa margem com um pequeno píer, onde não encontramos quase nenhum turista – apenas alguns locais aproveitando o ambiente.

Mais rápido, papai!

Uma tiazinha muito simpática nos oferece uns espetos de peixinho frito. Já deve ser umas 3h da tarde, e estávamos apenas no café da manhã e umas bolachas que tínhamos na bolsa. Dá para cá esses peixinhos! Ela também faz panquecas com caranguejo de rio, uma delícia.

Sentamos embaixo da tenda, nuns banquinhos de criança, apenas sentindo o vento do ventilador meia-boca girando sobre a cabeça. A tiazinha se encanta com a Sara e lhe presenteia com mais um espetinho de peixe.

mãe filha beira rio água verde
Às margens do rio Li em Xingping, China

Depois do banquete, descemos ao rio e ficamos por ali, esfriando a cabeça e os ombros, olhando os barcos subir e descer.

Às margens do rio Li eu sentei e chorei

Na volta para o hotel, deu tempo para imortalizar a família Cuore de bike!

 

Missão número 6: conhecer um típico mercado chinês

Dia seguinte era dia de ir embora, mas também era dia de mercado. Como o Fernando é o “senhor arruma-malas” misturado ao “senhor ansioso”, em dia de deslocamento fica difícil convencê-lo a dar umas voltinhas (mesmo que o ônibus fosse apenas no final da manhã). Aproveitei para dar uma escapada sozinha – passar um tempo comigo mesma é artigo de luxo nesta viagem em família.

A escapada foi curta, mas valeu muito. Por algum motivo desconhecido, apesar de amar mercados, não tínhamos ido a nenhum na China até então. Talvez um pouco de medo do que iríamos encontrar estava na jogada – mais um dos limites tolos que nos auto-impomos sem razão.

O mercado de Xingping tinha de tudo: a famosa ilha das carnes à temperatura ambiente, o pessoal cozinhando ao gosto do freguês, galinhas e pintinhos em cestos ou cercados, frutas e legumes de todos os tipos.

Agora, alguém já viu vender cama em mercado? Olha aí o colchão duro que faz sucesso por essas bandas do mundo! Dá para cortar o cabelo e fazer massagem. Tá vendo? Um verdadeiro shopping a céu aberto – muito antes de isso virar moda no Brasil 😛

Na volta, ainda deu para passear um pouco pela vilinha, que é adorável, e pegar as cenas do cotidiano que a gente não vê se passa correndo.

Não precisava ter chorado, não é? A melhor parte de Xingping nem foi o passeio de barco!

Missão cumprida, com louvor!

Por do Sol sobre o rio Li

 

A esta altura da viagem, estávamos bem cansados. Era tempo de ter ficado mais um dia, pelo menos, apenas para descansar um pouco no hotel, trabalhar no blog, tomar um café. Mas não foi o que fizemos: empacotamos as malas, pegamos o ônibus para Guilin (o direto! Sim, ele existe!) e depois um trem noturno até Nanning.

Chegava a hora de tirar o visto para deixar a China e embrenharmo-nos no Vietnã!

 

E você? Quanto perrengue está disposto a enfrentar para viver um momento mágico? Conta para mim aqui nos comentários qual foi a viagem mais difícil que você fez!

 

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2 comentários sobre “MISSÃO IMPOSSÍVEL: QUERO IR A XINGPING COM CRIANÇA

  1. viajando c vcs, comprei a idéia que seria uma aventura e tanto plainar sobre as águas num barco de bambu; imagina a minha decepção.. em dobro, p mim p não viajar nas entrelinhas e p vcs…

    1. Lúcia, aguarde e confie: tem Tam Coc no Vietnam na sequência, e lá é verdadeiramente mágico!!! Mesmo assim, gostamos muito de Xingping 🙂 bem melhor que cidade grande cheia de poluição 😉

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