ATÉ QUANDO SEGUIR O CORAÇÃO?

Estamos ficando em casas de amigos e fazendo Couchsurfing. Quando você faz isso, vai muito além de conhecer uma cidade – saindo do hotel, ficando na casa das pessoas, você conhece uma cultura. Tem a possibilidade de olhar dentro da vida de um amigo, de um conhecido, ver o que ele faz, o que come, como se comporta em casa.

É uma janela para o que seria a sua vida, caso morasse naquele lugar. Ficar na casa de alguém é revelador.

Em uma dessas casas em que ficamos, um solteiro. Homem viajado, inteligente, bem-humorado. Pergunto: quem são estas crianças no pôster aqui na sala de jantar? De onde vem estes desenhos infantis?

São os filhos da sua antiga namorada, da Polônia. Ele passou a noite toda me contando a história, sob efeitos de uma garrafa de vinho e de uma amizade que começou há muito tempo, e há muito tempo não colocava as coisas em dias.

É uma daquelas histórias de encontros – de duas pessoas maduras, que nem pensavam mais em amar assim, mas que ainda guardavam sua esperança. Uma história de adultos, passado, com presente, com filhos e marido e pais e irmãos e trabalho e empresa no meio.

Uma história de jovens também – porque todos quando amamos somos mais jovens do que quando não – que se desesperam e bebem uma garrafa inteira de vodca e passam horas na frente do computador tentando extinguir pela tela a distância que existe entre os dois.

Uma história de muitos anos. De gente que se apaixonou pela internet, sem nem se conhecer. Sem nem ter ouvido a voz um do outro. De gente que ainda se gosta, após todos os anos.

buquet flor flores coloridas

Lá pelas tantas, confessa: até o ano passado, se ela quisesse vir morar comigo, seríamos uma família. Os retratos na parede, os desenhos, declaram o que ele não diz: se viesse hoje, também.

Pergunto, olhando ao redor e não vendo grandes impedimentos: o que os impede?

As razões são muitas.

Ela é uma moça de cidade grande, não gostaria de morar em uma cidade como esta.

Eu tenho minha casa.

Tenho meu trabalho.

A mais nova é muito ligada com o pai.

Ela não encontraria um trabalho como o atual aqui.

Nós somos apenas duas pessoas que pensam demais.

girassol balde água amarelo flor boiando

Enquanto todos os motivos para não estar com o amor da sua vida eram listados, eu pensava: tudo isso é apego. Tudo isso é contornável. Tudo pode ser resolvido.

Eu já estaria lá.

Um amor adulto, daqueles que vem quando já se amou antes e se sabe como as coisas são, é algo para não se desprezar. Quando aparece, tem que pegar pelo braço e fazer sentar no colo. Tem que fazer carinho no cabelo até que se aquiete, tal pássaro selvagem, oferecer um pouco de alpiste ou um mamão bem doce.

Tem que fazer ficar.

Como se resolve uma vida longe do que se ama? Como se resolve uma existência na qual se olha para trás e percebe-se que não fizemos o que queríamos ter feito?

Enquanto esses dois pensam, os dias passam. Não que suas existências sejam miseráveis – que já passamos desta fase da vida – são vida plenas. Mas os dias passam. A vida continua boa, mas os dias passando.

Lá se vão 5 anos desta história. Não houve um fim, apenas a distância e o tempo. Aos poucos, a vida de cada se encaixa, e tudo o que era glorioso reside apenas na memória dos que nunca foram um casal.

Enquanto divago sobre tudo o que não nos prende mais, mas um dia prendeu, sobre os laços que nos prendem à vida que levamos, ele me acorda do devaneio.

Com o tempo, conheceu outra mulher. O coração magoado pelos planos – feitos e não realizados –, num ato de revolta, deixou-se levar por este novo amor.

Não é um amor perfeito. Ela o ama, mas não está apaixonada. Não vem à sua casa, não convive com sua família. Viajam e, quando estão fora, são um casal – para então retornar e reencontrar o mesmo. O quasesamor.

Revolto-me.

Como você pode deixar um amor de encontro por um quaseamor?

Neste momento não sou hóspede, sou conselheira, sou amiga de longe que vem chacoalhar a teia em que ele se enredou para continuar vivendo sem aquilo que para si é o mais precioso.

Deixo todo o pudor e a reserva de lado – que já não são meus pontos fortes – e digo firmemente: largue tudo isso. Venda a casa, saia do emprego, leve sua mãe com você, jogue tudo para o alto.

Mas, por favor, viva este amor.

Ele me olha incrédulo.

Quem é esta brasileira louca me dizendo para abandonar tudo o que tenho como certo?

A história é nova apenas para mim. Para ele, já há paz. Já se aquietou no peito, já não mais arde. O momento da ação já passou.

Durante muito tempo ele acreditou neste amor. Quis este amor. Lutou por ele, deu atenção, afeto, tempo, cuidado, tudo o que um amor precisa para crescer e se ramificar. Subir alto, abrir seus galhos e espalhar sombra fresca e frutos pela vida toda.

Durante muito tempo, este foi O amor.

Os planos desfeitos, os finais de semana sozinho, as viagens não realizadas, as ligações não completadas, foram tornando, a cada dia, mais difícil seguir o coração.

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O coração dizia: acredite mais um dia. Mas o dia confirmava o que já se sabia: não havia mais em que acreditar. O amor passou a existir apenas no passado. Para os dois.

No final da noite, enquanto tomávamos as últimas gotas do vinho, fiquei observando nosso anfitrião.

Ele parece bem. Parece que encontrou seu balanço. Parece que é feliz.

Olho para ele e me pergunto: até quando seguir o coração?

Até que ele finalmente consiga o que deseja – cobrando de nós o preço que for?

Devemos seguir o coração cegamente por onde ele nos guiar, mesmo que com isso tudo em volta de nós se destrua?

Devemos sair de dentro de nós mesmos, vencer nossos limites, cavalgar livres pelo mundo em busca da felicidade prometida por um coração inquieto e curioso?

Ou há construções tão sólidas e imponentes em nós que nem mesmo o coração deve subjugar?

Devemos escutar a um coração desenfreado e apaixonado? Ou apenas enquanto ele andar de braço dado e mãos unidas com a razão e a serenidade?

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Tomo um último gole de vinho e dou boa noite. Deixo meu querido amigo com suas paixões novamente acendidas por uma hóspede indelicada, que não sabe ser apenas hóspede – reivindica seu papel de amiga.

Desço para o gelado quarto no porão, que fica ao lado de uma adega cheia de todo o vinho que quiséssemos seguir tomando naquela noite. Deito sob as cobertas e acabo dormindo.

No dia seguinte, a vida segue. Despedimo-nos e seguimos viagem para a próxima etapa, deixando para trás um amigo que retoma seu ritmo. Uma sensação de incapacidade me invade: sei que, apesar dos meus apelos, não haverá reconciliação ali. Este é um ex-amor já.

E você, caro leitor e estimada leitora? O que faria?

 

 

De todas as coisas a que nos apegamos, as histórias que contamos a nós mesmos para nos impedir de seguir adiante com nossos sonhos parecem ser as mais poderosas. Deixamos tudo ir: carro, emprego, casa, dinheiro, roupas, joias. Mas repetimos, na nossa cabeça, dia após dia, as mesmas histórias, como se fossem um mantra.

Etéreas, sem forma, totalmente abstratas: apesar disso, essas histórias formam sólidas fortalezas ao nosso redor, aprisionando quem somos dentro de limites que, por fim, são apenas nuvens.

Antes de dormir, todos os dias, reflita sobre a sua vida: quanto apego você tem à vida que leva agora? Está preparado para mudar para ser feliz?

O que teria que deixar para trás se uma porta de felicidade se escancarasse à sua frente?

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6 comentários sobre “ATÉ QUANDO SEGUIR O CORAÇÃO?

  1. As vezes conviver com a lembrança de um amor que quase foi perfeito é mais fácil do que tentar viver esse amor e descobrir suas imperfeições. A lembrança é linda perfeita do que poderia ter sido, pois a realidade é muito diferente.

  2. Deixei dois amores passarem por causa de apegos. No primeiro caso eu ainda me apegava ao amor anterior e deixei de conviver com uma das pessoas mais incriveis do mundo. Sei disso porque continuamos platônicos, até a sua morte em 2015… Imagina como eu me senti uma merda…

    Depois disso conheci outra pessoa e aconteceu algo bem parecido com seu companheiro de vinho. Eu estava apegada à minha vida aqui e ele na dele lá, na outra cidade. Mas eu fui muito mais medrosa (aí entram outros 500. quase 500 quilos).

    Da próxima vez, se houver, eu vou tentar. Não tenho intenção de largar minha vida e entrar na vida da pessoa como água tomando a forma de um vaso. Já fiz muito isso e não aconselho. Mas vou buscar o ponto de convergência. Isso vou. Vou me dar mais um pouco. Chega de remorso.

    Parabéns pelo texto. Como sempre me senti lá tomando o vinho com vocês.

    1. Então, Zia, a sua ilustração da água é ótima. Mas será que não podemos ambos ser água e nos misturarmos no mar, formarmos juntos um corpo dágua imenso, maior de que os dois anteriormente?
      Obrigada, sente-se, fique à vontade, a casa é sua.

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