Esses dias, surpreendendo a mãe como somente crianças de 4 anos fazem – e respondendo à minha afirmação de que amanhã a avó voltaria para casa – a Sara me perguntou: Mãe, por que tem sempre um amanhã?
Estávamos passando uns dias na beira da praia, em Florianópolis, mas tudo o que ela queria saber era: quando verei a vovó? A resposta era sempre: amanhã. Iria demorar.
Como você explica para uma criança o que é o amanhã? O tempo não é facilmente transposto em conceitos simples. Como dizer a ela que amanhã é um dia que ainda não chegou, mas que chegará, com certeza, se ela, tão pequenina, diz que tudo o que aconteceu no passado foi ontem?
Mas o que ela quis dizer mesmo é: por que não posso ver a vovó hoje? Por que não posso ir no cinema hoje? Por que não podemos ficar juntinhas hoje? Por que não posso tomar sorvete hoje? Por que não posso fazer hoje o que você está me dizendo que farei amanhã?
Esta noção exata do tempo é muito difícil para uma criança de 4 anos. Assim como todo o passado é ontem, amanhã é um futuro tão longínquo que parece inalcançável.
E por fim, é isso mesmo não? É inalcançável porque simplesmente nem estendemos a mão para o alcançar. Procrastinação virou o tema do momento, porque estamos na frente do computador, muito confortáveis, com uma xícara de chocolate quente na mão e uma panela de brigadeiro na outra, vendo filmes na TV e deixando a vida passar. Enquanto isso, pessoas começam novas empresas, escrevem livros revolucionários, vão explorar o outro lado do mundo, viram bailarinas, montam uma banda, começam a correr.
Ter sempre um amanhã é um alento em tempos de intempéries. Saber que a tempestade passa, que a fundação prevalece, que a turbulência do avião termina, que bons tempos virão pela frente são confortos realmente importantes. Contar com um futuro mais ameno e delicado é necessário para a manutenção da vida. No livro O Museu da Inocência, o escritor Orhan Pamuk diz, sobre a esperança:
“De fato ninguém reconhece o momento mais feliz das suas vidas na altura em que o está a viver. (…) Porque, como é que alguém, e em particular alguém que ainda seja jovem, pode alguma vez acreditar que tudo apenas pode ficar pior: se a pessoa está suficientemente feliz para pensar que chegou ao momento mais feliz da sua vida, ele terá esperança suficiente para acreditar que o seu futuro continuará a ser tão radioso como esse momento.”
De fato, a esperança nos mantém vivos. Mas ela também pode nos manter imóveis. Aquela esperança de que as outras pessoas irão mudar. De que o salário vai subir. De que irá chover mais, ou menos, neste verão. De que os bebês dormirão a noite inteira. De que seremos mais felizes ao comprar uma TV maior. De que chefes esquizofrênicos se livrarão da sua paranoia com algumas sessões de terapia.
São todas esperanças falsas, de um amanhã inalcançável que não acontecerá.
Melhor confiar num amanhã bom, mas trabalhar aqui no presente para que ele aconteça. Sair dessa empresa que te atormenta. Fazer as pazes com o bebê e deixa-lo ser bebê. Colocar a tua vida na frente de todas as demais prioridades que querem lhe empurrar. Ir buscar o salário que te apetece. Colocar este blog, que é o meu sonho de escrever, em marcha. Fazer isso acontecer.
E quanto à Sara, estou repensando a minha resposta. No momento, ela pode ver esta avó todos os dias – e hoje me disse que está adorando morar aqui. Pronto, um hoje que mudamos.
O hoje da minha filha já é um dos momentos mais felizes da sua vida. E assim, da minha.