Se você já viveu um grande amor, sabe do que eu estou falando. Invariavelmente, ele foi embora. Ele pode ter lhe deixado. Ele pode ter morrido. Ele talvez tenha simplesmente se derretido para dentro dos segundos do seu relacionamento. Talvez ele tenha virado uma bela amizade, ou um caso de ódio extremo resolvido nos tribunais. Ele pode ter somente desaparecido.
Mas este amor, que você já viveu e não vive mais, lhe deixou. Se você já viveu um grande amor, já sofreu esta perda.
Hoje duas histórias me lembraram de como desapego não é apenas um ato físico – ele é emocional também.
Entrei na casa da costureira da minha mãe e ela apontou para a casa do vizinho. Casacos pendurados no varal, tomando Sol, mantinham viva a memória da dona daquela casa, que já morrera 8 anos antes. Blazers, paletós, casacos de tricot, casacos de pele, em cabides, alinhados, a postos para serem usados pela dona que não existe mais. A costureira diz que o ritual se mantém, a cada 15 dias. Com paciência e perseverança, aquele homem, a cada 15 dias, tira todos os casacos do grande amor com quem viveu, e os pendura ao Sol, para que não mofem.
Algumas horas mais tarde, via Facebook, essa vitrine virtual, uma amiga me chamou para desabafar. Descobrira que estava sendo traída. Há 2 anos, e com uma menina bem mais jovem. Ela me dizia: são tantos sentimentos misturados, temos um filho, não sei se o amo mais, mas e tudo o que construímos juntos? Ele saiu de casa, e diz que quer ficar comigo, mas eu não sou mais a mesma com ele. Ele diz que tem inveja do que eu faço, e de tanta gente vir parabenizá-lo por minha causa, pela minha garra e meu esforço. Ele já conheceu a mãe da menina.
Quando saí da costureira, falei para a parte masculina do Casal Cuore: se eu morrer, venda todas as minhas coisas e arranje alguém com quem ser feliz. Eu não tenho pretensão alguma de ser perene, muito menos nas memórias de quem já me amou. Quero bem a todos que amei, quero que sejam felizes, não ser venerada um trono imaginário onde me sento na minha ausência. Deixe este amor ir embora.
Contudo, pedir que nos esqueçam é muito diferente de esquecer alguém, como me lembrou vividamente minha amiga. É fácil condicionar que o outro lhe esqueça, mas estando na posição de ter que esquecer, como fazer?
Deixar um grande amor ir embora é tirá-lo de dentro do peito, permitir que cresça e se transforme em outra coisa. Fazer dele uma memória, não ser mais sentimento. Guardar os seus registros em caixas bem escondidas ou então jogá-los fora, ao mar, ao vento.
Deixar um grande amor ir embora é ser bom consigo mesmo. Lamber o rasgo na pele para se infectar com as próprias bactérias. Falar com os amigos, viajar um pouco. Encontrar um novo propósito, escrever sobre o que se sente. Deixar que este grande amor vire conto, poema, canção, retrato, lembrancinha de festa, horta.
Vivemos um grande amor e acreditamos na sua eternidade – mas ela é apenas imaginária. Erigimos altares intrincados, difíceis de serem escalados, quanto mais destruídos, e esse grande amor fica lá, um deus, para sempre protegido.
Deixar um grande amor ir embora é derrubar altares. Eliminar os sacrifícios. Parar com as orações a este ser supremo por nós criado. É rebelar-se e declara-se ateu desse grande amor.
Deixar um grande amor ir embora é perdoar-se por ter amado e perdido, e inclusive felicitar-se por ter amado. Não são muitos os que amam. São menos os que vivem um grande amor.
A maior parte de nós apenas gosta.
Deixar um grande amor ir embora é também crescer. Começar algo novo, encontrar outro amor talvez não tão grande, mas também importante porque ser feliz é preciso mesmo sem um grande Amor.
Sim, ser feliz é importante sempre… Lindas palavras, Hermantina! Obrigada pela sua contribuição sempre!
Deixar um grande amor é difícil. Vivi esta “perda” diariamente durante 20 dias, misto de sentimentos de rejeição, de abandono, de injustiça. Até que pensamentos maduros começam a fluir… e ver que o amor não é apenas feito de amor. Deixar ir significa deixar doer menos, abrir-se para si, libertar-se de outrem.
Amei o texto. Deu um gás p seguir em frente.
Amei seu comentário. Retrata o meu momento, minha história.