Eu já nem me reconheço mais. Já fui uma bruxa, uma grunge, uma adepta de teorias da conspiração, alguém que não acreditou que o homem tenha ido à Lua. Já fumei, bebi, ouvi sertanejo, gostei de pagode, fui ao show do Jimmy Cliff. Escrevia poesia, deitava na grama para ver as estrelas, tomei glicose, fazia teatro. Sabia de tudo o que circundava a minha vida, meditava, ouvia os shows do Woodstock no quarto escuro da casa da praia.
Eu ia a praia pelo menos uma vez ao ano e ficava 30 dias. Eu vivia aquilo, contava as ondas, catava conchas, explorava as dunas, fazia novos amigos a cada temporada. Pulava a janelo do quarto pra ver show do Kid Abellha na beira da praia à noite.
Não escrevo mais poesia, e quando escrevo é ruim. Fiquei cínica, sarcástica, atéia. Não gosto mais das músicas que gostava antes. Não sei mais de que músicas eu gosto. Não tenho mais amigos sonhadores. Todos são práticos ao meu redor, eu sou prática. Quem sonha, uma vez me encantou, não quero mais.
Me dizem que me falta empatia, eu que só sabia incluir.
Em alguns instantes, contudo, tudo isso pára. Eu volto a ser poeta. Vôo longe, fora do tempo, sem amarras. Largo tudo e cato conchas. Descubro uma banda nova. Me apaixono.
Dura pouco, mas acontece. Em alguns instantes, eu me reconheço.
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