Minha primeira viagem à Alemanha foi meio que goela abaixo: não tinha interesse nenhum, e minha amiga queria desesperadamente conhecer Berlim. Fomos – e foi a glória. Após uma Amsterdam fria, chuvosa a cara, Berlim foi calorosa, cheia de vida e barata.
Depois, voltei para a Alemanha mais uma vez, a trabalho, mas não foi uma história tão boa assim de se contar. Nesta vez, conheci Heilderbeg num bate-e-volta desde Frankfurt – mas quase não tenho memória deste dia, tamanho era meu stress com assuntos trabalhísticos do momento (mal sabia eu, stress viria a se tornar meu segundo nome a partir daí).
Pois desta vez estamos em Gieβen, num ambiente totalmente diferente. Relaxados, tranquilos, fazendo uma coisa de cada vez, aos poucos, sem correrias. A recomendação dos nossos anfitriões era conhecer Marburg, uma cidade de sonhos, como disse minha prima.
Pegamos o trem na simpática estação de Gieβen e 15 min depois desembarcamos em Marburg. Da estação de trem, apenas seguir reto e, vendo a placa abaixo, seguir seu rumo.
No caminho, passamos pelo Elizabethbröcke – rio que mais tarde seria a nossa guia para voltar para a estação, em meio aos patos, plantas, frutas silvestres, corredores e ciclistas.
Marburg está no mapa alemão há muito tempo.
Nos anos 1200, foi trazida da Hungria Elizabeth, aos 4 anos – a mesma idade da Sara hoje – para crescer junto de seu futuro esposo, o Conde da Turíngia, em Wartburg. Aos 12, estavam casados e as 21 já era viúva – o marido morreu no caminho de uma Cruzada na Itália.
Com a morte do marido, é expulsa pelo cunhado, o novo Conde, e se estabelece nas fronteiras da cidade de Marburg. Mesmo assim, funda um hospital e distribui suas posses entre os necessitados. Morre aos 24 anos e em seguida seu túmulo começa a ser alvo de peregrinação. Num caso de santificação a jato – comum nestes tempos da Igreja Católica – 4 anos após sua morte, já tinha virado Santa.
A Igreja de Santa Elisabeth é a primeira atração para quem segue seu caminho à esquerda como a placa mandou. Entre, faça suas preces, sinta-se à vontade.
Escape um pouco do mundo lá fora entre as paredes de pedra basáltica que já vivenciaram mais de 800 anos de vida, morte, guerras, fé.
Passe por estas portas como se estivesse entrando em um túnel do tempo, só que na vida real.
Entrar na Sacristia Elisabetana – onde estão guardados os ossos da Santa Elizabeth – é se maravilhar com o relicário em ouro, prata, esmalte e pedras.
Do lado oposto, no coro dos condes (Landgraves), uma coleção belíssima de sepulcros dos séculos XIII ao XV lhe aguarda. Enquanto visitávamos, o céu se abriu lá fora, e um raio de sol entrou vitrais a dentro, trazendo mais calor e luz.
Saindo da Igreja, siga reto pela Pilgrimstein, passe o Jardim Botânico antigo à esquerda (a cidade tem dois!) até chegar a um estacionamento à direita. Pegue o elevador, que lhe levará até a cidade alta.
No meio do caminho, a cidade já começa a mudar.
Pegue o segundo elevador, e prepare-se para ser deslumbrando.
Sair do túnel do elevador é um novo choque com o passado: chegamos ao que antes era o burgo.
Ruas de calçamento de pedra irregular, que desviam de poços e se abrem em vielas cada vez menores, subindo pelas colinas que levam ao Castelo de Marburg.
Nos térreos, cafés, lojas de chá, bancos, padarias, souvenirs, sapatos. Acima, retratos bem mantidos de uma outra era.
Durante muitos anos Marburg simplesmente não teve dinheiro para renovações e, por conta disso, o centro histórico ficou congelado. Ao mesmo modo de Paraty, devemos o encantamento de Marburg a tempos muito difíceis que seus cidadãos passaram quando a atividade econômica se reduziu no passado.
Passeamos por lá numa segunda-feira fria de Setembro, quando o verão ainda estava nos calendários, mas não nos termômetros. Talvez por isso não havia orda de turistas – ou talvez a cidade sonho seja sempre assim: calma, convidando ao passear e à imaginação.
Seguindo o pequeno fluxo nos deparamos com a antiga prefeitura, situada bem no centro do Markt (mercado), que em outros tempos ficava lotado de todo o tipo de comércio. À direita, sobre uma ruazinha íngreme que leva ao Castelo. Preferimos, contudo, seguir adiante e ver o centro até seu fim.
Subimos ao Castelo pela Schneidersberg, com uma parada na Lutherischer Pfarrkirche Sta. Marien – a Paróquia luterana de Santa Maria. Lá em cima, antes de entrar na Igreja, uma pausa para contemplar os telhados, a cidade, o vale, o rio. Uma pausa para brincar um pouco.
A pequena Igreja tem pouco a ser visto, já que os afrescos medievais das paredes não sobreviveram ao tempo. O coro ainda possui tesouros como um tabernáculo de 1380 e, ao se virar para a saída, o visitante é brindado por um órgão descomunal de 1722.
Enquanto sentávamos para descansar um pouco da subida até ali, alguém começou a tocá-lo. Um presente do acaso a dois pais e uma menina que já estavam cansados.
Saindo da Igreja, mais degraus até chegar ao Castelo. Mais degraus e mais um pouco de degraus – nessas horas, carrinho de bebê não tem muita função.
Quem sobe pelas escadas, depara-se com duas cenas: os vinhedos do Castelo e um sapato vermelho gigante. Ele lembra que nesta cidade estudaram os irmãos Grimm, e muitas das histórias podem ter sido inspiradas por aqui.
E se esta for a Torre da Rapunzel?
O Castelo de Marburg é o ápice desta pequena cidade de cerca de 70 mil habitantes. Senta-se imponente sobre a colina, observando ereto tudo o que passa à sua volta. É um dos castelos mais antigos da Alemanha, tendo sua construção iniciado por volta do ano 1000 d.C.
Num dia bom, o parque do Castelo vale também a visita. Chegamos bem em tempo de ver o delicado jardim de rosas de todas as cores.
Descendo pela rua íngreme que leva ao mercado, a mente é pega imaginando: espelho, espelho meu, será que tem um carro vindo na direção contrária?
Quem pega à esquerda, ao invés de ir ao Markt, chega a uma estrutura intrigante: uma caixa de vidro, que revela resquícios da antiga sinagoga medieval que existia ali e que foi completamente queimada durante a Noite do Pogrom, em 1938. Uma lembrança sobre a importância da multiplicidade de pensamento. Sobre a importância da liberdade.
O pensamento dominante não deve ser dominante sobre o livre pensamento.
Começando o retorno à estação, aos pouquinhos, a cidade vai saindo do passado e chegando aos tempos atuais. É interessante ver como o muito antigo e o muito novo convivem. Como o real e a fantasia habitam, lado a lado.
O povo alemão tem esta capacidade de manter a história sem impedir o futuro.
O passeio acabou às margens do Lahn, o limpíssimo rio que cruza a cidade e seu patos (não tão) selvagens. Uma caminhada pelo Schülerpark nos conduziu de volta à estação, para pegar o trem de volta a Gieβen e recuperar a bolsa da câmera fotográfica.
Mas isso é história só para quem curte a página no Facebook!
Muito bacana seu relato. Vou viajar com esposa e filhinho de 3 anos para Frankfurt no fim de Fevereiro e pretendo fazer uma daytrip para MArburg, seu relato acabou me animando mais ainda. Quanto tempo vcs levaram para dar essa volta na cidade?
Fiquei atento também ao detalhe do carrinho de bebê. Fiquei curioso para saber se vocês entraram no castelo? Será que tem mais escadas lá dentro? =)
De qualquer forma vou logo preparado para tentar encontrar um ônibus para ajudar na subida.
Oi, Mário! A gente deve ter levado umas 5 horas no máximo dando uma volta na cidade, mas não entramos em museus e nem no castelo – portanto, se entrar, talvez um pouco mais. Nos descuidamos do dia da semana (era segunda) e o Castelo estava fechado, então não posso te ajudar com essa. Mesmo não entrando, Marburg foi um dos pontos altos dos nossos 16 dias na Alemanha – super vale a pena mesmo! Boa viagem!
Descobri sobre esta cidade vendo uma jovem baterista chamada Sina pelo Youtube e em seu relato, diz que nasceu nesta cidade. O local é lindo mas não combina muito com roqueiros. Muito boa matéria.
Estive em Marburg em 2002. Tenho amigo lá. Rotariano como eu e professor na universidade. Pretendo retomar. Estive em vários lugares desses que mostraram. Belo lugar.