POR QUE SOMOS TÃO LIGADOS À CULTURA CORPORATIVA?

Fui dar uma palestra esses dias.

Estamos passando por um período sabático, o que não significa necessariamente não trabalhar. Significa repensar. Viajar, estamos viajando neste exato momento, e repensar. Testar novas possibilidades. Pensar um pouco no que nos faz feliz. Descobrir o que é isso. Aventurar-se por outras possibilidades de trabalho.

Ao fim da palestra, a respeito de um dos temas da minha área profissional so far, duas pessoas me abordaram. Haviam gostado e queriam se candidatar a colunista do Food Safety Brazil. Começamos uma conversa muito animada, cheia de pontos interessantes, ambas estão fazendo mestrado, uma em sociologia da alimentação. A conversa ia ganhando o tempo do coffee break, e uma delas me pergunta: onde você trabalha? Eu disse: eu trabalho para mim! Então ela me rebateu: ah, sim, você é consultora.

Palestra em evento do Senai Fiesc cltura cultura corporativa
Palestrando no Evento do Senai/UFSC

Achei que não valia a pena entrar em detalhes sobre o assunto, e tampouco tinha tempo para tal. Aquela imediata presunção sobre a minha situação trabalhística, contudo, ficou ressonando na cabeça por alguns dias.

Lembrei-me de um vídeo que explica por que erramos. Esse esforço da mente em preencher lacunas desconhecidas, parte de um plano geral para conseguirmos deduzir o mundo ao redor com poucas informações. Sem ele, instinto e sexto sentido seriam termos inexistentes. Sem ele, é provável que não houvesse arte, e que livros de suspense precisariam detalhar todos os aspectos que levaram ao crime, minuciosamente. Sem ele, que perigo dirigir – apenas ver o cachorro quando ele já estivesse debaixo do carro, não a partir do graveto lançado.

Como todos esses mecanismos automáticos da mente, como a associação implícita, o preconceito, o ataque pelo medo, há um balanço entre benefícios e compensações. Todos tendem a ser preponderantemente benéficos – de outra forma não teriam sobrevivido à seleção natural – porém também carregam sua carga de impactos obscuros.

Neste caso, o impacto inicial foi o erro. O segundo, foi a impressão que causou em mim: a moça em questão, inteligente, articulada, viajada, havia trocado uma carreira de anos por um mestrado. Qual a impressão: preferia mais estar lá do que cá.

Ela poderia ter errado de inúmeras formas, poderia ter pensado que eu abriria minha própria indústria, ou iria viver de rendas, ou então teria um marido rico que havia me trocado por 56 camelos e 12 tapetes persas e havia trabalhado por hobby até então. Ela poderia ter pensado, ou ao menos perguntado, se eu estava trabalhando numa empresa da família, ou então se havia algum plano de estudo envolvido.

Contudo, o fato de eu estar palestrando num evento profissional, ter dito que havia trabalhado numa grande empresa e a forma como eu estava vestida e falava, agrupados, deu a ela a certeza: você está trabalhando como consultora. Obviamente, olhando para você, o único caminho que eu vejo é continuar ligada a uma corporação, porém agora prestando serviços a ela. Afinal, corporações são o único caminho.

Não me julguem mal: não vejo nada de errado com as corporações em geral (bem, com algumas, vejo muito). Corporações saudáveis criam produtos e serviços criativos e necessários, geram empregos, treinam pessoas que de outra forma não sairiam de seus pequenos mundos, podem te fazer ver o mundo. É extremamente agradável trabalhar em uma equipe, e colher os resultados do esforço coletivo quando se é um líder é muito gratificante. Eu amo as equipes com que trabalhei, e as pessoas que me impactaram e eu impactei neste caminho.

O que me espanta neste assunto é o quanto ainda estamos atados à esta cultura corporativa. Quando começo a contar às pessoas que estamos num período sabático é tal a surpresa, tal o espanto, a plena incapacidade de entender o que estamos fazendo: por vezes eu fico sem palavras. Obviamente existem aqueles que entendem imediatamente – e, principalmente, incentivam. Geralmente, são os que também já romperam com essa cultura e estão trilhando seus próprios caminhos.

Agora então, nesta “crise” (real ou imaginária, dependendo do setor), estar “seguro” em uma corporação parece a própria definição de felicidade. Não, de vida. Só existe vida com um cartão corporativo – ou um e-mail @corporação.com.br para chamar de seu. Mesmo aqueles que usam e-mails genéricos qualidade@, produção@, ped@, compras@, são mais felizes do que os coitados que usam os serviços gratuitos (talvez por não enxergarem que são uma pecinha para a Corporação XPTO, que nem um e-mail individual lhes fornece).

Eu não sou uma pessoa cheia de possibilidades e habilidades, que pode tanto continuar aqui quanto atravessar a Índia cega, tripulando um elefante. Eu SOU Coordenadora de Compras das Corporações XPTO. E quando eu bato as metas do meu setor, e duplico o lucro da empresa para ganhar um bônus de 1,1 salário no final do ano, estou fazendo algo que é “só para os vencedores e os fortes”.

Estamos muito corporativos, e pouco criativos. Estamos nos refastelando em empregos medianos, em que exercemos pouquíssimas habilidades, e deixando para lá tudo o que em nós é inovador, moderno, transformador.

Se ao menos estivéssemos fazendo isso cientes de nós mesmos, e lutando por nós no final das contas. Mas não: eu vejo uma torcida cega pelo sucesso das suas corporações – similar à torcida por um time de futebol. Acaso um coitado não torça com o mesmo fervor, pobre, será decapitado. Que decepção quando o torcedor é chamado a deixar o estádio, para então descobrir que tanto fervor e lealdade corriam apenas em um sentido. Trabalhar sim, esforçar-se sempre. Porém, mantendo que a vida de um é maior do que o seu emprego. Que o que se ama é a si mesmo, a família, aos amigos, e não uma Corporação XPTO que por fim não é um ser apto a ser amado.

Não tem nada de errado com a moça que conversou comigo. Ela é inteligente, articulada e usou habilmente a capacidade de juntar as peças que seu cérebro evoluído possui. Deduziu, como grande parte de nós, talvez eu também, deduziria: eu sou uma consultora.

É possível que, no futuro, eu seja uma consultora. Isto está sim em discussão.

Porém também uma série de outras coisas também são possíveis. É possível que este site vire uma plataforma de entretenimento. Ou que eu escreva um livro. Ou que dê aulas. Ou que abra uma loja. Ou que administre páginas no Facebook. Ou que comece a construir casas para vender. Ou que abra uma pousada. Ou que tudo isso aconteça ao mesmo tempo.

Na conversa que tínhamos após a palestra, uma realidade alternativa foi rapidamente estabelecida por uma afirmação “então você é consultora”. Esta afirmação falava muito mais da moça com quem conversava do que de mim.

Lembro-me bem do dia milagroso em que descobri que nem todo mundo fazia faculdade, e que este não era o único caminho para o sucesso.

Parece-me que este é um novo dia desses: corporações são apenas um dos caminhos possíveis.

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