CIÊNCIA OU NEGÓCIOS: QUEM ESTÁ NO SEU PRIMEIRO LUGAR?

Como líder de uma empresa, como ponderar as questões de saúde e economia? Estamos sendo chamados, em meio a esta pandemia, a refletir sobre qual aspecto é mais importante para o futuro das nossas empresas: a manutenção dos negócios ou a prevenção da saúde.

Um dos filmes que mais marcou a minha carreira foi O Informante (The Insider, 1999). Ele conta a trajetória do Diretor de P&D da empresa de tabaco Brown & Williamson, Jeffrey Wigand, a partir do ponto em que seu trabalho começa colidir com seus valores. Como farmacêutico, ele havia sido treinado para salvar vidas: porém o que fazia, naquele momento, era aumentar a dependência de uma droga – a nicotina – que a indústria do tabaco já sabia, há anos, que causava câncer e levava à morte.

Wigand, que acaba sendo demitido com um pacote cala-boca, decide expor o que sabe a um jornalista e servir como testemunha para o promotor de justiça que está processando a indústria do tabaco. Em dado momento, o jornalista Lowell pede a Wigand que fale sobre sua vida fora dos termos do contrato de confidencialidade – em que outras empresas ele já havia trabalhado?

Wigand recapitula empregos passados na indústria química e farmacêutica e cita o caso do CEO da Johnson & Johnson, James Burke. Em 1982, Burke fez um recall voluntário de Tylenol sabotado com cianeto, após a morte de sete pessoas nos EUA. O recall dos 31 mil frascos do remédio custou USD 100 milhões.

Este é o momento que marcou minha carreira e passou a guiar, em grande parte, as decisões que tomo como profissional e empreendedora. Falando sobre esta atitude de Burke, Wigand reflete:

“Como um CEO, claro, ele tem que ser um grande homem de negócios, certo?  Mas ele também é um homem de ciência. Ele não vai permitir que a sua empresa coloque na prateleira um produto que pode prejudicar as pessoas.”

Alguns dias depois eu pedi demissão de uma empresa que, na minha visão, colocava os negócios acima da ciência. Quase 20 anos depois, algumas coisas mudaram na indústria de alimentos, outras nem tanto.

Caso a ciência viesse acima dos negócios, não teríamos qualquer dificuldade em “provar” que as Boas Práticas de Fabricação e HACCP salvam vidas. Não teríamos qualquer empecilho para compra de equipamentos para medidas de controle, como detectores de metal e raio-X. Nossos planos de ação para correção de não-conformidades relacionadas à segurança dos alimentos seriam prioridade para toda a empresa. Não haveria escolha entre rotular alergênicos e poupar embalagens.

Caso a ciência viesse realmente acima dos negócios, tudo isso seria facilitado por uma liderança comprometida com a manutenção da vida. Caso a ciência viesse realmente acima dos negócios, teríamos Presidentes, Vice-Presidentes e Diretores liderando a segurança do trabalho e do alimento.

Esta, contudo, não é a realidade com que lidamos diuturnamente nas empresas de alimentos. Há textos e textos na internet que refletem esta situação, querendo sensibilizar estas Altas Direções sobre a importância da Qualidade. Deixo aqui apenas um como exemplo.

Vamos repetir a fala da personagem para maior clareza:

“Ele não vai permitir que a sua empresa coloque na prateleira um produto que pode prejudicar as pessoas.”

Todos os dias, todos os dias, que não seguimos os planos de BPF e HACCP estamos colocando nas prateleiras produtos que podem prejudicar as pessoas. Fazemos isso porque é difícil rastrear a causa da doença ou morte de pessoas à nossa empresa, com as condições de pesquisa epidemiológica e recursos analíticos que temos no Brasil. Como exemplo, ainda não temos desfecho do caso Backer.

Quantos produtos potencialmente contaminados já mandamos ao mercado?

(Um adendo: sua empresa, em 2020, ainda não tem HACCP implantado? Então 100% da sua produção está potencialmente contaminada.)

Estamos tão acostumados ao risco que nem o enxergamos mais. Ele está ali, à nossa frente, todos os dias – e virou paisagem.

Estamos lidando hoje com uma situação que exige a mesma ponderação, porém com um risco muito mais avançado de disrupção dos nossos negócios e da nossa vida.

Estamos lidando com uma pandemia.

O coronavírus COVID-19 é um novo vírus, sobre o qual não sabemos muito – apenas que tem alta taxa básica de reprodução (R0, que pode ser entra 2/3 ou chegar a 6), e tem alta mortalidade (em média 3-4%). Não temos vacinas ou remédios que o contenha: no momento, dependemos completamente e apenas da resposta do sistema imunológico para a cura.

O mais provável é que nunca tivemos que lidar antes com uma situação similar.

Nesta hora, estamos vendo como reagem as nossas lideranças. Com base na ciência ou nos negócios?

Para falar de algo bem próximo a mim: semana passada, abaixo assinado de 190 empresários foi entregue ao prefeito de Lajeado, pedindo o fim da quarentena, para aliviar a pressão dos seus negócios. Carreatas (em carros devidamente fechados, por paradoxal que seja) pediram em várias capitais pela volta dos “bons e velhos tempos”.

Nós todos já vimos este cenário, e com o próprio COVID-19. Milão, em fevereiro/20, quando ainda não tinha nenhuma morte, lançou o movimento Milan non se ferma, que pediu a volta às atividades da cidade. O resultado: hoje Milão concentra cerca de 50% das mortes da Itália.

É em momentos de crise que mostramos quem realmente somos. Nossos valores afloram: somos mais humanistas ou técnicos? Somos mais generosos ou egoístas? Somos mais colaborativos ou mais individualistas?

A ciência nos traz um remédio duro e difícil de engolir para a pandemia: é o distanciamento social. Ele funciona (temos até publicação a respeito).

Estamos dispostos a enguli-lo?

No fundo, esta é uma nova decisão entre ciência e negócio.

Vamos apoiar o distanciamento social através do confinamento (como reiterou recentemente o prefeito de Florianópolis)?

Ou vamos pedir a volta à normalidade, porque o Brasil não pode parar?

Vamos pensar na manutenção dos nossos negócios e na folha de pagamento do mês?

Ou vamos pensar na vida e, no frigir dos ovos, na manutenção dos nossos negócios no longo prazo?

Decisões difíceis para qualquer líder ou empreendedor estão sendo tomadas todos os dias por conta da pandemia do COVID-19.

A questão impera é: você é uma pessoa de negócios? Ou uma pessoa de ciência?

Talvez seja a hora de mudarmos a forma como fazemos negócios no Brasil.

 

 

Em tempo: James Burke recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade em 2000 e foi incluído na lista dos 10 maiores CEOs da história pela Fortune em 2003. Além das congratulações, suas ações rápidas, que incluíram a mudança no sistema de segurança do Tylenol, mantiveram o negócio da empresa no longo prazo. As ações da J&J recuperaram seu valor apenas 2 meses após o recall e a empresa retomou a fatia de mercado (de cerca de 30%) após um ano.

 

Leia o script completo de O Informante aqui.

Quer ganhar um ebook incrível com as ferramentas de desenvolvimento pessoal que usamos nas viagens?

Assine a nossa newsletter e receba por e-mail: o ebook é gratuito e está cheio de fotos inéditas!

I agree to have my personal information transfered to MailChimp ( more information )

Sem spam. Só coisa boa.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *